sábado, 26 de setembro de 2009

Óculos


Sou míope. Irremediavelmente míope. Desses que não se separam de seus óculos para nada – às vezes nem na hora do banho. Mesmo que quisesse me separar deles não conseguiria, não enxergo um palmo diante de meus olhos. Confundo cachorro com gente; jarro com gente e certa vez achei que o eletricista, que ajeitava a fiação de um poste, fosse o boneco da malhação de Judas. Meus amigos acham meus óculos feios, grandões e se as meninas do Leblon não olham mais para mim, eu uso óculos. Já me sugeriram o uso de lentes de contato. Sempre digo que não tenho higiene para usá-las. Mentira. O que tenho mesmo é um medo danado de colocar qualquer coisa nos meus olhos. Até mesmo um simples colírio torna-se uma luta cansativa entre minha razão – que diz que devo usar o colírio – e meu corpo – que diz que não devo em hipótese alguma abrir meus olhos.

Ter medo de mexer em meus olhos é só um dos diversos medos que possuo. Aliás, não só eu, mas a humanidade toda. Temer algo pode ser um sinal de prudência ou pode ser um traço da mais absoluta covardia. Medo da morte, de dívida, de assombração. Há medo para tudo: dos mais sérios aos mais absurdos. Enquadro-me no segundo grupo, dos que tem medo de bobagem. Imaginem só, tenho verdadeiro pavor de peixe-boi. Detalhe: nunca vi, pessoalmente, um em toda a minha vida, mas mesmo assim tenho medo – vai entender! Com relação às pessoas do segundo grupo, essas têm motivos de sobra para justificar seus temores. Basta assistir quinze minutos de noticiário para se saber do que estou falando. Gente, é uma notícia mais assustadora que a outra. Alta do Dólar, crise econômica mundial, gripe suína, desemprego, violência, Fluminense na zona do rebaixamento, senado federal, Sarney – este já é até especialista, todo ano arruma um jeito novo de botar medo na gente.

Se remédio de doido é doido e meio, o antídoto para o medo só pode ser a valentia. Para tudo dizem que existe uma resposta. Então você se protege com segurança privada, com grana, com incenso e até com mandinga. Eu rezo para são Miguel Arcanjo e você? Medo é um estado de alerta, de sobreaviso, portanto, antinatural, embora o caos em que vivamos justifique certo tremor de pernas. Um dia hei de ser valente que nem o meu avô. Hoje não, por enquanto vou ficar bem caladinho, escondido, com medo. Onde será que deixei aquela imagem de são Miguel Arcanjo?

domingo, 20 de setembro de 2009

De como aprendi a gostar de ler


Uma nação se constrói com homens e livros. Esta, sem dúvidas, é uma das máximas de que mais gosto. Por ignorância ou desleixo mesmo, nunca me preocupei em investigar a autoria da frase. Mas como uma obra ultrapassa o seu autor e levando em consideração a verdade que a frase encerra em si mesma, isso é o de menos.

Não sou de uma família muito dada a leituras, pelo menos as que eu aprecio. Por um lado minha família é composta por pessoas humildes e até certo ponto pouco letradas. Já a outra parte tem quase que em totalidade uma forte vocação jurídica – o que me faz pensar se “advogado” não é outro sobrenome da família. Portanto, para meus familiares, sempre veio primeiro o trabalho e depois – muito, muito depois mesmo – a poesia.

De cara não fui a ovelha negra, demorou um pouco. Minhas primeiras experiências com a leitura foram traumáticas e desestimulantes – era apenas um monte de letrinhas que dançavam a exmo, sem conexão alguma com minha vida. A escola não ajudou muito, ela apenas empurrava uns paradidáticos e sem nos informar como a adição da leitura como hábito ajudaria em nossa formação como pessoas, transformou o que deveria ser prazer em tarefa chata e obrigatória (como foi a escola como um todo). É engraçado escrever sobre isto e relembrar como a leitura entrou em minha vida, foi logo após repetir o ano na oitava série. É que fiquei com medo de tomar uma sova de meu pai e como única maneira de escapar a ela, resolvi refugiar-me em meu quarto (como se papai não pudesse abrir a porta!). Sem nada o que fazer, acabei – e vejam como o mundo dá voltas – tendo em minhas mãos um dos paradidáticos que tanto desprezava: “Aventura na Ilha”, se não me engano era seu nome e passei o dia todo a lê-lo. A sova não veio, mas mesmo que tivesse vindo não faria diferença, pois aquela leitura, influenciada pelo temor, despertou em minha alma algo que ela não conhecia: que ela podia se comunicar com outras almas, sentir o que elas sentiam em um momento inspiracional qualquer de suas existências, tudo isso tendo como canal os livros. Aí os livros já não eram mais os mesmos nem eu a mesma pessoa.

Uma nação se constrói com homens e livros, já disse isto, às vezes só com os homens, infelizmente.

sábado, 19 de setembro de 2009

Cartão vermelho




Semana passada a colega Sílvia Gonçalves sugeriu a seguinte brincadeirinha: que um grupo de pessoas indicadas por ela, escolhesse dez notáveis para receber um cartão vermelho. Como achei a coisa parecida com uma corrente, não irei quebrá-la.
1. Para Sarney, o dono do Maranhão: Este aqui eu não nem perder tempo explicando porque estou fazendo isso;
2. Para Lula: É, um dia todos nós perdemos o nosso herói de infância. Lula, para mim, era vidro e se quebrou;
3. Gripe suína: Eu já não agüento mais o clima de paranóia em que vivo;
4. Ministério da Saúde: Parece que eles também pregaram gripe suína;
5. Para o trânsito de minha cidade: aqui está um caos;
6. Para a novela do Manoel Carlos: Poxa, ele já escrevia sobre futilidades, agora que é sobre o mundo da moda, acabou com tudo;
7. Para nós brasileiros: Que vamos esquecer toda essa bagunça de Brasília no próximo ano;
8. Para nós brasileiros, de novo: A média de livros lidos anualmente pelos brasileiros é de apenas dois;
9. Para a má vontade de quem se nega a resolver as coisas mais simples;
10. Para todos nós no mundo inteiro: que somos incapazes de enxergar o outro.

domingo, 6 de setembro de 2009

Minha tribo sou eu


Eu não sou cristão, eu não sou ateu.

Não sou japa, não sou “chicano”, não sou europeu.

Eu não sou negão, eu não sou judeu.

Não sou do samba nem sou do “rock”, minha tribo sou eu.

- Zeca Baleiro, Minha tribo sou eu

Desculpem se começo cantarolando. Não estou transformando isto em um musical, ainda reservo este espaço para crônicas. Esta música pertence a um conterrâneo amigo meu, chamado Zeca Baleiro. Vocês já devem ter ouvido falar dele, é só um pouquinho mais famoso que eu. Começo com a música simplesmente para ajudar a relatar um episódio muito singular que tive a oportunidade de estar presente.

Todo mundo já fez ou quem sabe ainda faz parte de alguma “tribo”. Digo, todos nós como parte de um todo social, fazemos parte de algum grupo. Vale qualquer coisa: turminha do colégio, coral da igreja, fã clube dos Menudos (há gosto pra tudo), torcida organizada do XV de Jau, o pessoal do “Orkut”. Além do quê, sempre é gostoso ter uma “galera” que fale a “nossa língua”. Só que tem gente que é exagerada.

Estava eu na faculdade, na companhia de dois colegas. De antemão aviso que os nomes foram trocados por descrição e porque ainda travo relações com essas pessoas. João e Maria, chamá-los assim me parece adequado. Voltando à história, os meus colegas são tão radicais em suas posições ideológicas que fazem o pessoal da esquerda da esquerda parecer de direita. Metidos com política estudantil e tudo mais. Conversávamos sobre assuntos que não versavam matéria política – o que para eles devia ser uma heresia, para mim era um alívio. De repente, de um dos vários corredores do prédio, surge um sujeito maltrapilho, trajando uma jaqueta ensebada, com o aspecto de quem está há dias sem banhar e sem parar de beber. Apresentou-se com a cerimônia que a circunstância poderia exigir. Começou então a falar peripécias de sua vida. O que narro aqui são fragmentos de uma fala entrecortada por grunhidos ininteligíveis e um sotaque baiano, um tanto incomum para quem se dizia sergipano. Eram histórias de noites ao relento; grandes porres e a depredação de uma fábrica que poluía o leito de um rio, fato que ele deu o nome de engajamento político. Nem preciso dizer que meus amigos estavam achando o máximo.

“O que vocês tão tomando aí, é cachaça?”, perguntou Sérgio ou pelo menos foi assim que disse que se chamava, deixando no ar o hálito de quem acabara de tomar a própria.

“Não. É café”, disse Maria.

“Eu quero”, disse-lhe enquanto tomava – sem consentimento – o copo de suas mãos e entornava de uma só vez todo o líquido.

Ele não parava de falar e eu – tirando pequenas contribuições insignificantes – mantinha-me com reservas, até o momento em que ele puxou de sua jaqueta surrada uns quatro livros.

“Apresento-lhes a jaqueta da expropriação”, disse-nos num misto de heroísmo e orgulho.

“Isso deve ser uma tática de guerrilha”, disse João. “Onde foi que você arrumou?”

“Expropriei de uma feira de livros”.

Diante daquela confissão não me contive.

“Aqui em São Luís isso tem outro nome: é roubo”, disse.

Sergio, dirigindo para mim um esgar de fúria, disse-me uns três impropérios, prometendo retirar-se, promessa que cumpriu em seguida – não sem antes tentar vender os frutos da jaqueta da expropriação.

Ficamos os três calados, olhando nosso visitante sergipano de sotaque baiano partir sabe-se lá para onde. Não demorou muito para o silêncio ser quebrado.

“Cara”, disse Maria, “o que era aquele sujeito? Pensei que fosse marxista.”

“Que nada”, emendou João, “tá na cara que era leninista.”

“Não. Acho que faz parte de alguma facção trotskista. Você não viu como ele falava em expropriação”, retorquiu Maria.

“É, mas não se pode negar que havia no discurso dele um quê de UJS e aqueles caras são mesmo uns porcos.”

“Absolutamente, camarada João (foi, ela falou desse jeito mesmo, que nem nos bons tempos da velha URSS), não há a menor chance disso.”

“Bom, pelo menos sei que não estava com nenhum livro do Plínio Salgado. Havia sim uma postura de caçador de integralista em seus olhos”, ponderou o camarada João.

“Devíamos tê-lo convidado para a Marcha Operária do pessoal da Facção Vermelha, que vai protestar na frente do diretório do PMDB”

Vale ressaltar que eu já estava meio de lado desde a conversa do Sérgio, então, diante de todas aquelas denominações e siglas, estava me sentindo um verdadeiro alienígena. Graças a Deus eu sabia o que era o PMDB, só por isso pude protestar sem me sentir tão desmoralizado assim.

“Para mim, o que ele é mesmo é um ladrão. Entenderam? L-A-D-R-Ã-O”, sentenciei. “Quanto a mim, sou católico, fui coroinha e torço pelo Flamengo.”

Parti irritado em direção a um ponto de ônibus, entendendo porque certos círculos são tão reservados. Pareceu para mim – pelo menos naquele momento – que para entender que diabos eles estavam falando, bastava que eu não entendesse coisa com coisa, o que para mim era tarefa muito complicada. No caminho do ponto de ônibus havia uma lanchonete, a televisão estava ligada, sintonizada no Programa do Ratinho. Resolvi sentar em um dos bancos disponíveis. Pedi um misto quente e um refrigerante e comecei a assistir à televisão. Como era bom conseguir entender alguma coisa.

sábado, 5 de setembro de 2009

Indicação de selo


Passei aqui para agradecer a indicação de selo feita pela colega Silvia. Muito agradecido. Andei me informando a respeito dessa premiação e descobri que ela possui umas regrinhas. Dentre elas indicar algumas pessoas. Então eis minhas indicações: