sábado, 18 de setembro de 2010

O fator de risco solidão



Instintivamente eu já sabia disso, mas agora deu até em jornal britânico de medicina. A solidão mata. Sim, mata mesmo. A expectativa de vida de um solitário é a mesma de um fumante, é muito parecida com a de quem tem problemas com álcool e um fator de risco mais perigoso que obesidade e sedentarismo. Na qualidade de ex-fumante e ex-solteiro, sinto um grande alívio – agora é só tomar cuidado com as outras estatísticas.

Sempre fomos muito mais do que aquilo que imaginamos de nós mesmos. É que temos a tendência de diminuir nossas qualidades, reduzi-las a um certo número de atributos quantificáveis e facilmente adquiridos com qualquer cartão de crédito. Nunca fui adepto desse papo de consumismo exagerado, capitalismo selvagem e tudo mais, porque o capitalismo e consumismo não existem, o que existe são pessoas que agem nocivamente, isolando-se em ilhas de si mesmas, onde são árbitras de si mesmas.

As ditas doenças modernas agora são um fato, começam a vigorar nas pautas dos grandes planos de saúde, nos anúncios de cigarros, nas embalagens de bebida e grifes de boutique. É triste saber que uma pessoa cheia de si está morrendo mais cedo porque está justamente cheia de si; uma espécie de preenchimento que não ocupa espaço algum. No Brasil as casas têm deixado de ser ocupadas por seis pessoas, na medida em que cresce a demanda de apartamentos para uma só; casais não pretendem mais ter filhos; aumenta a compra de forno microondas (o que, em minha opinião, é um eletrodoméstico feito para suprir a necessidade de quem é solteiro, assim como outros apetrechos do mundo urbano); tem-se comido miojo como nunca em grandes e requintadas travessas solitárias. Aí surge a pergunta: o que nós temos a ver com isso? Sei lá, na maioria das vezes a gente não quer nem saber do que está acontecendo em baixo de nossos narizes.

Bons talvez fossem os tempos de nossos avós, quando todo mundo se conhecia e quando acabava o açúcar, a gente não corria para o supermercado, mas batia na porta do vizinho. Quando se tinha família de cinco filhos e se ia à missa de Domingo. Quando a rua se juntava para picotar bandeirinha para copa do mundo. Quando as pessoas davam bom dia na rua ou quando ainda se incomodavam com os fuxicos da vizinha, que pelo menos sabia o nome da gente. Bons deviam ser os tempos em que as pessoas eram menos solitárias, respiravam melhor, abraçavam como mais facilidade e não ficavam hesitantes, como hoje ficam, ao perguntar: vai um abraço aí, vai?

domingo, 5 de setembro de 2010

Por uma vida menos ordinária


Foi num desses Sábados em que a gente fica zapeando de canal em canal, mesmo sabendo que não achará nada que presta na programação noturna da TV aberta, que me deparei com uma espécie de pegadinha solidária daquele programa sem graça do Mion. Era tudo muito simples, o programa expunha pessoas comuns em situações em que eram obrigadas a ajudar a um desconhecido ou se omitir, deixando-o em maus lençóis. A situação que mais me deixou intrigado foi a em que um ator, que fingia esperar sua vez na fila, roubava a carteira de uma moça à sua frente – que, evidentemente, também era uma atriz contratada. Em seguida, a moça dava por falta de sua carteira, para que então um terceiro ator fosse acusado injustamente pelo roubo. A pessoa logo atrás do ladrão de mentirinha deparava-se com o seguinte dilema: denunciar o ladrão e se expor ou então se omitir, deixando um justo pagar por um crime que não cometeu. Os resultados foram catastróficos para o inocente.

Está certo que vivemos em tempos inseguros, tempos em que as pessoas não dialogam mais e em que o bom senso às vezes exija que engulamos alguns sapos pelo caminho, mas será essa a única face que temos para mostrar: a da auto-preservação?

As coisas mudaram ou sempre foram assim? Quero dizer, no sentido mais hobbesiano da palavra: essa luta de todos contra todos em que somente conta o resultado final: eu? Aqui em São Luís, que é uma cidade pequena se comparada a outras capitais, certas novidades demoram a solidificar-se, mas já se vêem os primeiros sinais de impaciência, explosões de humor sem sentido, discussões de trânsito que acabam em morte, indelicadeza, desrespeito com os mais velhos, individualismo; eu, eu, e eu de novo. Sempre se falou que o brasileiro é um adepto da Lei de Gérson: “Você quer levar vantagem em tudo, não quer?”. Nos dias de hoje isto anda parecendo uma verdade inconveniente.

Não tenho propriedade para falar dos outros, mas de mim mesmo tenho. Da minha parte, vou fazendo o que posso para suavizar minha existência, sabendo que cada pequeno ato meu pode ser decisivo na vida de quem está próximo – da casca de banana que se joga na rua, ao candidato que se escolhe por conveniência. Está certo que não planto flores no quintal de meu vizinho, nem me ponho no dilema de denunciar um falso ladrão, mas vou tirando do caminho as pedras que posso, cumprimentando meus vizinhos e colegas de trabalho, me importando, tentando não me deixar levar por essa onda de indiferença. Quanto à pegadinha, que citei no primeiro parágrafo, os resultados foram os seguintes: 40% das pessoas denunciaram o ladrão e 60% se omitiram, deixando um inocente levar a culpa. Das pessoas que tiveram coragem de denunciar a injustiça, nenhuma se predispôs a ir à delegacia, mesmo estando cientes de que seu comparecimento seria a única maneira de esclarecer os fatos e inocentar o acusado. Tem coisas que não mudam. Pimenta no olho dos outros ainda é refresco.