domingo, 27 de junho de 2010

A palavra



Na adolescência, quando um dia pensei que faria poesia, uma garota me indagou acerca das maneiras de se escrever um bom poema. Na época, ingênuo que era dos intricados mecanismos da palavra viva, disse-lhe que bastavam inspiração e disposição para se escrever um bom poema. Agora percebo que estava enganado e que se hoje me perguntassem a mesma coisa, diria, que tenho a ver com isso? Ora, o poema é composto por palavras e estas contem em si os mais íntimos significados a serem expressos. O que sei eu da palavra?

Pensando no que escrevo é que me perco no oceano da palavra. Eu como ilha, cercado de palavras por todos os lados, não faço mais que trabalho de ourivesaria nem sempre tirando daí bons resultados e às vezes colhendo até frutos diversos (e até controversos) daquilo escrevi.

A palavra não tem sexo, endereço, RG, CPF. Ela é expressão. Expressão de quê? Do incontido, do inenarrável, do inebriante, do sublime, daquilo que – contrariando a minha fala – simplesmente não pode ter fala. A palavra usa e seu compromisso é consigo mesma. Mostra a sua beleza selvagem no bilhete escrito no papel de pão e no Ulisses de Joyce. E ainda corre à boca pequena que ela – a palavra – também é pequena. Não discordo. É pequena, média, grande, porque cabe em todo lugar e lugar nenhum. Ela é toda fronteira e não é.

Estando em toda parte: nos cadernos, nos muros, nos países, no DNA das pessoas, a dimensão humana é a própria palavra. Mas eu, que sei da palavra? Digo que nada sei. Que nada tenho a ver com esse bicho selvagem que toda hora me persegue sem dar sossego. E o pouco que penso saber desaparece no momento em que tento explicá-la, transformando o mutismo na melhor maneira de se falar no que tem que ser nomeado. Posso até falar besteira da palavra, mas sei que ela é linda. Sei que juntando algumas se pode fazer um soneto ou uma sentença de morte, fazer cantar o hino do Brasil ou explicar constituição do universo e falar do amor e de Deus.

O que sei eu da palavra? Sei dizer palavra. Simplesmente palavra.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Primeiro ano das palavras


Sei que é “comum”, às vezes, esquecer o aniversário de quem nos é muito querido. Esquecer do próprio aniversário já é demais. Há dez dias este blog completou seu primeiro ano de existência. Começou meio indeciso sobre o que fazer, mas com o passar do tempo e com a colaboração das gentis pessoas que liam os textos aqui publicados (e não posso deixar de citar Diana, Cacá, Sílvia, Sara, Adriano, Murilo Rafael, Biba, Thiago Assis, Vanessa, Letícia Palmeira e os demais que sempre passaram por aqui), dando suas valiosas contribuições, fui tomando um rumo e definindo o perfil deste pequeno espaço.

Hoje, com este ano de existência, percebo que ainda há muito o que fazer e aprender, afinal não é esta a razão de nossas vidas? No mais, tenho apenas que agradecer a paciência de vocês em ler o que escrevo e – mesmo que tenha sido um pouquinho que seja – se colaborei com o dia de vocês, tocando suas almas em algum ponto, já cumpri parte da tarefa da escrita e também ganhei meu dia.

Muito obrigado por tudo.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O dia em que Saramago deixou de ser




Tem dias que acho que jornal só serve mesmo para me entristecer. Hoje não foi diferente. Estava de saída para o trabalho quando soube da notícia que entristeceu os que amam a literatura verdadeira: Saramago deixou de ser. Deixou de ser porque era assim que encarava o mistério da morte.

No trabalho, durante as minhas aulas, falei aos meus alunos do acontecido: ninguém conhecia Saramago, o que também não deixa de ser trágico – falta de méritos da professora de literatura.

A ausência de Saramago, pelo menos para mim, deixa mais triste o mundo, pois se perde um gênio capaz de descrevê-lo com a força das letras. Nunca mais, senão pelo material que ficou para a posteridade, sentiremos o poder daqueles parágrafos enormes ou a da fantasia que se misturava à realidade cheia de arestas. Nunca mais verei aquele estilo Saramago de escrever, porque ele simplesmente deixou de ser.

É imprudente da minha parte escrever mais sobre alguém que dizia tudo até quando nada falava. Despeço-me com um trecho de quem de fato sabia escrever, o ultimo post do blog de José Saramago.

"Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma."
Adeus Saramago.

P.S: Já faz um tempo que não apareço por aqui. Mostrei a cara porque achei que tinha algo a falar de Saramago. Volto a hibernar imediatamente.