Fazia anos que não se viam, uns
catorze mais ou menos. Naturalmente o tempo agiu em ambos, mudando suas
aparências, tornando-os mais experientes. Ele adquiriu o hábito de desconfiar
de todo mundo; ela, de tão pessimista, vestiu-se com uma capa de tristeza.
Encontraram-se em uma rua movimentada e quase não se reconheceram de tão
acostumados que estavam à ideia de nunca mais se verem.
Para quem já passou dos trinta,
catorze anos de ausência não fazem tanta diferença na vida de alguém, na
maioria das vezes quase todo mundo é definitivo nessa idade; o tempo torna mais
velho, mas é incapaz de mudar a personalidade de quem quer que seja. Entretanto,
existe um período da vida em que se é uma página em branco, nessa fase, as
experiências vividas em um único dia deixam marcas indeléveis na alma. O período
do qual se fala é aquele elo perdido da existência de todos, em que não se é
criança nem adulto; que vai dos quinze aos vinte e cinco, onde tudo é marcante
e é capaz de por a vida toda em perspectiva, modificando-a totalmente. Foi nessa
fase confusa em que se conheceram, ele com dezessete, ela, um pouco mais velha
que ele, com vinte e um. Viveram uma dessas muitas paixões arrebatadoras que se
veem por ai; o clichê típico da idade, rito de passagem obrigatório do fim da
adolescência para o início da vida adulta. Namoraram por quase dois anos. Dividiram
dúvidas, anseios, sensações, sonhos e tão forte como tudo começou, repentinamente
desapareceu. Firmaram uma certa amizade, mas depois cada um foi para o seu
canto e nunca mais se viram.
Anos mais tarde, sem saber ao
certo o que queria de fato, a separação pareceu para ele uma coisa boba e
resolveu procurá-la entre parentes e conhecidos dela, obtendo a informação de
que viajara fazia três anos para o exterior e que nunca deixara um endereço ou
telefone fixo, mudando periodicamente de lugar. A princípio sentiu-se meio bobo
por tê-la procurado em vão, depois, ficou sentido com a falta de consideração
dela, que foi incapaz de avisá-lo, ainda que não tivesse obrigação nenhuma de
fazê-lo.
Quando ela resolveu sair do
país, buscava outros ares e quem sabe a chance de ser feliz também. Achava que
até então a vida tinha sido uma burrada só, uma desilusão atrás da outra,
porque era muito difícil buscar um entendimento da vida e vivê-la ao mesmo tempo.
Pensava muito no passado e arrependida de certas coisas, achava que às vezes a
única coisa boa que o passado podia oferecer era a possibilidade de esquecê-lo.
No saguão do aeroporto, à espera do avião que a levaria para outra vida, pensou
nele, seu antigo namorado, e era uma lembrança gostosa, tipo um dia de chuva.
Associação estranha, ela pensou. Fazer o quê, talvez não fosse para dar certo
mesmo.
Quem sabe tenham continuado
juntos em uma realidade paralela e quem sabe, de quebra, tenham sido felizes,
mas o mundo é o aqui e agora, o resto especula-se. Ele terminou a faculdade,
arranjou um emprego na área; casou-se, não deu certo, separou-se. Ela percebeu
que era muito fácil trocar de país, de cultura e indo de um lugar para o outro
no mundo, descobriu que a única coisa que diferenciava um ser humano de outro
era apenas a língua e isso era frustrante; por fim, assim como ele,
divorciou-se, só que do mundo todo.
Então lá estavam eles de novo,
juntos, depois de catorze anos. Impressionavam-se como o tempo os tornou
diferentes, um salto tão profundo que os converteu, repentinamente em dois
adultos. Ele a convidou para um café, ela disse que estava com pressa, era
apenas um café, ele insistiu.
Sentaram no café meio constrangidos, sem ter muito o que
falar para o outro, é verdade, mas pouco tempo depois conversavam
razoavelmente. Falaram amenidades; comentaram, espantados, as mudanças do mundo
em tão pouco tempo. Ele falou da época da faculdade, de sua procura por ela, do
trabalho e do divórcio recente – deixando muito clara a impossibilidade de
resgatar seu casamento. Ela falou de
suas andanças pelo mundo, de sua freqüente curiosidade em conhecer as coisas,
de sua imensa frustração em achar tudo ordinário e de sua impossibilidade em
prender-se a alguém. Em algum ponto da conversa, falou-se do passado e de como
certos acontecimentos graves, catorze anos depois, ficavam mais amenos e até
mesmo engraçados. De repente ele deixou escapar que pensava muito neles dois e
que não podia deixar de imaginar que a vida poderia ter sido outra para eles. Mesmo
acreditando em seu íntimo que nem todos haviam nascido para aquilo, concordou
com as palavras dele e ficaram em silêncio. Na verdade, ele disse alguns
minutos depois, não lembro por que nos separamos. Eu também não, ela disse.
Antes de se despedirem,
perguntou se ela estava morando na cidade. Ela disse que não, que estava lá só
para resolver uns problemas jurídicos que surgiram com a recente morte do pai e
que em breve cairia no mundo outra vez. Ele lamentou duplamente, a morte do pai
dela e sua inevitável partida. Trocaram telefones e um abraço canhestro e foi
naquele curto contato, no momento em que se viram nos olhos, que sentiram uma
energia que emanava de ambos, um certo quê de algo que estava inacabado.
Ele a observou afastar-se,
querendo que ela permanecesse, mas sem achar as palavras certas que fossem
capazes de convencê-la. Fosse o que fosse, curiosidade ou esperança, vê-la
partir dava a impressão de que jogara fora os últimos catorze anos.
Ela misturou-se à multidão e
desapareceu rapidamente, uma habilidade desenvolvida após anos de uma intensa
fuga de tudo. Voltou a sentir aquele
medo danado que tinha da felicidade e fugia antes de arrepender-se por ter dado
um número errado de telefone ao seu antigo namorado.