Eu nem queria entrar para assistir àquela exposição, mas como a senhora que estava à porta me convidou com tamanha amabilidade e dado que sou péssimo em declinar certos convites, fui caminhando, sem pestanejar, para a entrada da galeria. Pensando melhor sobre o ocorrido, creio ter entrado ali somente por sustentar a ideia de que a senhora do convite não entendia nada de arte – uma opinião que, imagino agora, só podia ser sustentada por puro preconceito – e aquele esforço em explicar tão metodicamente algo tão complexo, me havia deixado, de certa forma, comovido. A senhora, julguei na hora, em vez de um folder explicativo da exposição, ficaria melhor com um rosário nas mãos. Ela tinha cara de carola. Com certeza estou errado, sei disso.
Era uma exposição fotográfica de um francês radicado aqui em São Luís, o que é muito conveniente para uma cidade fundada pela França. No geral eram fotografias em preto e branco de pessoas comuns de vários lugares do mundo, registradas em seu cotidiano. A fotografia é uma dessas artes que muito me intriga, por parecer fácil. No entanto, a fotografia envolve um grau de sensibilidade muito grande da parte de quem bate a foto. Eu, que ao longo de minha vida fracassei miseravelmente em quase todo tipo de arte que tentei produzir, considero o fotografar difícil, porque o trabalho das imagens exige que se capte a essência delas ou em um sentido mais cristão, o fotografo tem que se apropriar da própria alma da imagem.
Fui passando a vista foto por foto, embora achasse que meu olhar de leigo não pudesse avaliá-las corretamente (se é que elas serviam para este fim), mas fui me sentindo tocado por todos aqueles lugares que eram lugar nenhum. Provavelmente eu havia visitado um ou outro, através dos livros que já li e das histórias que ouvi. Assim como o fotógrafo, gosto de tocar a alma das pessoas quando posso, só que ainda não aprendi a fazer isso com as imagens.
Distraído como estava, não notei o jovem que entrara após minha chegada e que também observava com fervorosa curiosidade as fotos de todas aquelas pessoas e todos aqueles lugares em que ele provavelmente não havia pisado. Por um instante, olhando-o diante das fotografias, na mais absoluta posição de gente curiosa, apercebi-me da imagem que se formava à minha frente. Parecia que eu estava sendo capaz de captar a alma daquela cena, encerrando em minha retina tudo o que aquilo significava: um humano que olha outro humano, tirando do simples evento a poesia que é fornecida pelo instante. Tirei do bolso meu celular, foquei no rapaz, que de costas para mim, não podia me ver, mas não tirei a foto. Devo ter ficado com medo de sua reação ao perceber ter sido fotografado por um desconhecido, que sabe Deus em que poderia estar pensando, em um momento que deveria ser tão íntimo. Ou então não o fotografei pelo simples fato de não ter que fotografá-lo, pois existem momentos que, dada a importância que possuem, não devam mesmo ser registrados.
Aquele instante ficou em minha cabeça e resolveu simplesmente não sair de lá.