terça-feira, 3 de setembro de 2019

Perguntas


Para muitos curiosidade é defeito, desvio de personalidade, falta de caráter. Para mim é qualidade e que – modéstia à parte – tenho em profusão. Sempre foi assim e enquanto tiver gana em conhecer algo, assim será. Desde criança sou deste jeito, cheio de perguntas e com elas vivia construindo meus castelos. Mamãe, coitada, era o meu maior oráculo – e digo isso porque para responder algumas perguntas, só com intervenção de Apolo mesmo. Perguntava o que desse na telha. O nome das coisas. Das plantas, dos bichos e quanto viviam. Quantas estrelas cabiam no céu? Quem fazia o barulho gozado das conchas, quando a gente as levava ao ouvido? Para encher o oceano, precisaria de quantos litros d’água? Vovô foi embora para onde, que não quis nem me conhecer? Algumas ela respondia. Outras, ausentes de lógica minha ou falta de conhecimento dela, simplesmente, pela mais vertiginosa tangente, fugia. Você pergunta demais, menino, dizia.


Meu filho, aos sete anos, também é muito curioso – e confesso, por grande ironia da coisa toda, muito mais que eu. Hoje me supera as perguntas, daqui a pouco a altura, amanhã, por fim, o conhecimento e seguindo o ciclo, se verá obrigado a prestar atenção ao que perguntarão meus netos. Ele é curioso, muito curioso. Você pergunta demais, menino, digo e percebo que sou dotado dos mesmos escapismos ancestrais de minha mãe.

Em outros países, crianças em outras línguas que nem conheço, devem fazer aos seus pais as mesmas perguntas que fazia a minha mãe e – por causa do ciclo que falei há pouco – uma vez que se tornarem adultos, naquela fase em que cansamos de perguntar e pretensiosamente – ainda que se saiba que nada de essencial foi respondido – tentamos nos apoiar na frágil muleta do conformismo. Entretanto, sempre haverá uma criança, que é filho de alguém que também foi filho, que perguntará: mãe, o que é aquilo? Dá para fazer diferente? Eis me aqui, um corpo de homem que se assenta em pés de menino, questionando. De repente meu filho, furacão de duas pernas, indiferente ao meu silêncio e gravidade, faz de meus papeis e concentração hecatombe – fenômeno que faz de um jeito todo dele. Interrompe o cataclismo e pergunta o que faço sentado atrás de minha mesa. Não sei, filho, respondo sinceramente ao me levantar, deixando de lado o que nem sabia mais estar fazendo. Vou onde ele está me debruçando sobre seus olhos e me vejo nele, mais de trinta anos remoçado: baixinho, magro e com um olhar curioso que se sustenta em cima de dois joelhos ossudos. Não dá para fazer diferente. Ainda bem que não dá para fazer diferente.