
Para Meu Pai
Tem um conto chamado “Idolatria”, de Sérgio Faraco, presente na coletânea “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século XX”, que me marcou muito. Até hoje penso no eco que aquela pequena história deixou em mim e penso nela como a genuína admiração que temos pela figura de nosso pai, é justamente disso que o conto trata: as descobertas que pai e filho fazem de si, enquanto estão presos no carro por causa de um atoleiro, tudo sob a ótica da criança que narra a história. Citei o conto porque no fundo eu e meu pai sempre fomos um mistério um para o outro; “presos num atoleiro”, obrigados a achar a resposta que completaria um de nós.
Travei com meu pai uma relação por vezes desarmônica. Que ninguém se preocupe, não vim fazer análise, só me certificar que assim como eu, muitos outros filhos também tiveram sua cota de mistério com seu genitor. A relação pai/filho, talvez seja um desses grandes confrontos que nós, homens, temos de enfrentar para saber como é a vida. Não sei como vocês foram criados, mas entre mim e ele, não houve tantos sorrisos quanto desejei que tivessem. Talvez tenha sido por essa carência que eu tenha aprendido a valorizar tanto os poucos que vi brotar de seus lábios. Não sei se a origem disso é a cultura ou outro motivo qualquer. Bom, a família de meu pai não está tanto tempo assim no Brasil. Se não me engano, meu bisavô veio de Portugal, instalou-se no Ceará, na cidade de Sobral. Lá, no meio do sertão cearense, nasceu Joker Ribeiro, meu avô. Então meu avô resolveu migrar para o Maranhão, cidade de Codó, por lá foi chefe de uma estação ferroviária e teve vinte e cinco filhos, entre eles meu pai, Raimundo Ribeiro. Este último, veio para São Luís, casou, enviuvou, casou de novo, desta vez com minha mãe, e teve, com duas famílias, seis filhos, sendo eu, Thomaz Ribeiro, o seu penúltimo. Esta é mais ou menos a minha genealogia: da Península Ibérica para o sertão do Ceará, do sertão do Ceará para a aventura no Maranhão. Uma criação empurrada em navios, sufocada nas areias do sertão e entre os frios trilhos de uma ferrovia. A família Ribeiro gerou homens laboriosos, de forte sentido prático e com pouca – ou quase nenhuma – capacidade de expressar sentimentos.
Este é o quinto dia dos pais que passo sem o meu. O seu Ribeiro, como nós o chamávamos, faleceu em 2004, aos 66 anos. O que ficou em nós, que aqui ficamos, foi a saudade. Hoje sou o centro do dia dos pais, sou eu quem recebe os presentes, mas, é claro, sinto sua falta, a ponto de muitas vezes esquecer que ele não está mais por aqui. Perto de falecer meu pai ainda me ensinou muitas lições. Tivemos a oportunidade de por muita bagunça em ordem, de botar os pingos em quase todos os “is”. Entender o que se passa na cabeça do outro não é lá tarefa muito – e se o outro ainda por cima é o próprio pai, pior ainda. O que queremos mesmo é que gostem da gente do jeito que sabemos gostar e convenhamos isso é impossível. Mas até se ter a consciência dessa impossibilidade, já se “bateu muita cabeça”, já se cometeu muito equívoco e se falou muita bobagem. Meu pai me ensinou que às vezes nos enganamos e que somos capazes de cometer os mesmos erros que eles. Que às vezes a falta de tato, um gesto que possa parecer mais brusco, não significa que nossos pais não gostem da gente, mas que apenas possuem uma maneira diferente de se expressar e que por mais que essa maneira não pareça ser adequada, é o que se dispõe, mas também o que se pode negociar. Aprendi que seu Ribeiro tinha uma maneira só dele de gostar, de sentir orgulho, como quando ganhei um concurso de poesia e ele incrédulo falou: eu não sabia que tu eras poeta. Esse era seu Ribeiro, esse era meu pai. Meu nome é Thomaz Ribeiro, sou casado, tenho crianças e ainda choro de saudades quando penso nele. Se um dia meus filhos gostarem de mim metade do que gosto do meu pai, com certeza serei um sujeito muito orgulhoso. De onde ele está, sei que sabe que isso é verdade e que mesmo sendo uma declaração diferente, como ele era, essa é uma maneira – que por mais que relutasse, herdei dele – de expressar o que sinto.
P.S: Hoje eu tinha outra crônica em mente. Falar sobre o dia dos pais é muito óbvio, mas sou assim mesmo, óbvio demais. A todos, feliz dia dos pais.