quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Feliz 2011


Penúltimo dia do ano e eu imaginado as minhas resoluções do ano que virá. No fim das contas são quase sempre as mesmas, pois acabo não cumprindo parte daquilo que havia prometido. Paciência, os anos mudam, mas ainda continuo sendo basicamente a mesma pessoa. No entanto, não é por causa disso que deixarei de ser otimista e continuar pensando em mudanças.

Pode ser que neste novo ano eu leia mais ou então me decida por dar menos atenção aos meus desejos privados. Não sei, tudo é muito impreciso.

Que este ano eu possa dar mais de mim e fazer-me essencial nas horas de dificuldade.

Que eu compreenda a impossibilidade de tornar os dias mais longos, mas entenda que mesmo assim posso torná-los melhores.

Que este ano eu tenha mais irmandade pelos homens e entenda que as contradições existem porque somos diferentes uns dos outros, porém isso não significa que nos afastemos só por não ser todos iguais.

Que este ano eu tenha mais amor por tudo, que o único sentimento capaz de transformar o mundo.

Que este ano seja aquilo que ele simplesmente promete: um novo ano.

Paz e amor para todo mundo neste ano que está chegando. São meus votos e de toda minha família para todos os que tem tornado este blogue um espaço gostoso de se visitar.

sábado, 25 de dezembro de 2010

O cheiro da felicidade


Quando eu tinha treze anos, lembro que a rede Bandeirantes exibia aos domingos uma sessão de filmes mais artísticos – eles eram legendados e tudo, contrastando com a exibição tradicionalmente dublada. Lembro também que não gostava muito deles, mas mesmo assim os assistia com bastante atenção, pois queria ser diferente dos meus colegas de infância, que naquela idade entretiam-se mais com as comédias picantes típicas da década de oitenta, como Porkys e o O último americano virgem, ou então as pornochanchadas brasileiras que, aliás, também eram exibidas naquele mesmo canal, nas segundas feiras clandestinas – obviamente clandestinas pela pouca idade que todos nós tínhamos. De todos os filmes que assisti naquelas sessões de domingo, sobra muito pouco para entrelaçar todas as tramas, mas lembro muito bem de um deles, um que era francês e se chamava Barjo.

Não que a película francesa tenha marcado a minha vida, mas uma atitude da personagem principal, à época, chamou-me bastante a atenção – e lembrei-me disso agorinha mesmo. Ele, e a história dizia que desde a infância, tinha uma coleção de balinhas de leite acondicionadas dentro de um saco plástico. Em momentos de grande tensão, tirava-as de seu casaco e as cheirava fortemente. As minhas críticas cinematográficas não eram tão exigentes quando eu tinha treze anos, mas imaginei, e nisso senti uma ligação fortíssima entre mim e a personagem, que aquilo deveria possuir o cheiro da felicidade, capaz de espantar tudo o que é infelicidade. Não que eu achasse que a felicidade possuísse cheiro de balas de leite, para mim, ela cheirava mesmo era a plástico novo.

Pode parecer meio bobo, no entanto todos nós um dia depositamos as nossas expectativas no cheiro que alguma coisa nova exalava. Quem nunca pensou como o ano letivo parecia promissor ao cheirar o material escolar novinho? As paredes cheirando a tinta fresca da tão sonhada casa nova, quem não a cheirou, hein? Ou então o cheiro do bebezinho que se acabou de ter, quem nunca depositou mil esperanças no cheiro do filho recém nascido?

A felicidade é imaterial. Claro, ela é um estado de espírito estampado bem na cara de quem está feliz. Porém não se deve negar que a fé, o desejo de realização, a própria humanidade são capazes de tornar o invisível em palpável. Meus sonhos de criança e minhas expectativas estratosféricas (não fui à lua como eu esperava, mas a pinto todos os dias de minha vida com a tinta forte daquilo que escrevo) continuam vivos, porque no fundo ainda sou capaz de materializar os sentimentos mais importantes nas coisas mais cotidianas, como o cheiro do plástico novo. E para você, qual é o cheiro da felicidade?

domingo, 5 de dezembro de 2010

Juventude transviada


Não gosto de ir a shopping center’s por dois motivos muito fortes. Primeiro, eles vivem cheios. Segundo, eles vivem cheios de adolescentes. Nada tenho contra os adolescentes, até mesmo porque já fui um também e devo ter suscitado nos adultos o mesmo sentimento que eles suscitam hoje em mim. Além do que, minha missão profissional (e por que não, pessoal) é educá-los, já que sou professor do ensino médio. Mas é estranho como eles se comportam nos lugares em que não são obrigados a usar farda; a ficar expostos ao monitoramento. Isolados em certos meios são mais toleráveis, mais “controláveis” (embora controle não seja uma palavra adequada quando se fala em relacionamento, seja ele qual for). Soltos são imprevisíveis; misturados às suas diversas tribos, cheias de gírias, roupas e penteados próprios.

Outro dia, com minha esposa, tive que comprar um presente no shopping. Eles, os adolescentes, estavam lá, aos bandos. Como minha esposa não se decidia sobre o que comprar, resolvi dar uma passada na livraria mais próxima (minha ilha de liberdade naquela Meca de consumismo). Tinha alguns títulos interessantes, muito embora houvesse bastantes romances da Stephanie Meyer (também nada contra quem curte o tipo de literatura que ela produz). A certa altura, entretido em minhas cogitações e já disposto a folhear algumas obras no formato de bolso, notei dois casais de adolescentes (pelo menos acho que eles formavam casais) se aproximando à minha direita. Lépidos e alegres, falavam das obras expostas na vitrine. Um dos casais era bem normal, apesar do excesso de glitter e chapinha em ambos. O outro casal era, digamos, mais exótico. Deviam ter uns dezesseis anos. Ela, com muita maquiagem pesada para pouca idade que tinha. Ele, excessivamente musculoso, para a pouca necessidade que devia possuir para cultivar tantos músculos. A menina muito maquiada de repente reclamou com o rapaz do outro casal sobre os motivos que o fizeram levá-la até ali, uma vez que ele tinha conhecimento de que ela em toda vida não pegara em livro algum. Pensei comigo mesmo: você não deve ter ideia do que está perdendo. O rapaz cheio de músculos, e sabe-se lá porque as forças do cosmos não o mantiveram em silêncio, contou uma anedota suja que fazia trocadilho com um nome de livro. Depois que perderam o interesse na vitrine, resolveram ir embora.

Às vezes a juventude me espanta: seja por seus avanços ou retrocessos. São espantos distintos, é verdade, e dou muito mais valor ao primeiro que ao segundo tipo de espanto. Existe uma geração muito mais consciente que a minha – e dela realmente só se espera grandes realizações. Em contrapartida, um número crescente de jovens tende a levantar bandeiras como a da idiotice, do pouco caso e da falta de modos. É triste, mas é um duro fato da vida, que existem jovens que são incapazes de fazer uma reflexão de seus atos. O rapaz cheio de músculos, por exemplo, se exercita regularmente para ficar bem apertado em sua camisa justa e não para ter uma boa saúde – ele só faz isso, porque todos fazem. Que tipo de valores nós temos passado à juventude, seja como pais, educadores, como seres humanos? Será que resultado esperado é esse que se vê todos os dias: uma juventude que considera o errado certo, que despreza os livros porque eles fornecem cultura, que sai à noite para agredir, para mostrar que é mais forte? É preciso ser mais atento com quem está há pouco tempo no mundo. É preciso que se assumam rédeas e responsabilidades sobre aqueles que foram gestados por nossas escolhas. O adolescente que dá problema na escola, exibe apenas um fragmento de uma tragédia social muito maior, que passa pelo descaso com que pais tem tratado seus filhos, repassando suas responsabilidades a quem só devia complementá-las. O pai que entrega a educação de seu filho unicamente ao Estado ou aos grandes sistemas educacionais privados, além de irresponsável, é criminoso e desumano, pois se abstêm justamente daquilo que nos torna mais humanos: a capacidade de amar e dar o exemplo.

A juventude é ousada. Está ai para romper barreiras mesmo. Surpreender o mundo com sua sagacidade. Mas ela é incapaz de desenvolver suas capacidades se não tiver ajuda, se não tiver alguém que imponha barreiras e ensine a essência da contestação, se não tiver papai e mamãe. Vendo o que acontece no mundo, não sei se posso dizer que os jovens de hoje são desrespeitosos, porque via de regra eles, em sua grande maioria, são filhos de pessoas inconseqüentes e o que o filhos fazem é apenas seguir o exemplo (ou a falta dele) de casa. Educar tem que ser muito mais do que uma tarefa que envolva gastos, mas algo que envolva responsabilidade, generosidade, respeito, comprometimento e, sobretudo, amor – e como falta amor nesse mundo!

domingo, 28 de novembro de 2010

Gente ruim


O mundo está cheio de gente ruim. O Brasil está cheio de gente ruim. O Rio de Janeiro (que apesar de ainda continuar lindo) está cheio de gente ruim. E até o Maranhão está cheio de gente ruim.

Ruim não é só quem mata; quem rouba. É ruim quem se omite; quem se nega. É ruim quem na hora de dizer uma palavra bonita ou um verso que alegre o dia, simplesmente prefere dizer asperezas; semear a discórdia, quando pode plantar uma flor.

Tenho medo de gente ruim. Porque pode ser qualquer um. Pode ser um vizinho ou até mesmo um amigo, até mesmo eu, porque às vezes somos ruins por homeopatia, por hobby, por ocasião. Ruim por ruindade mesmo.

Quem me dera ter uma maquininha dessas que pudessem farejar gente ruim à distância. Quem sabe até uma redoma para separar eles do resto do mundo. Porque não é ruim só quem fala mal; quem atrapalha. Também é ruim quem só quer saber do que passou; quem dá para trás; quem sempre pensa no pior.

Neste mundo em que a gente faz tão pouco, não atrapalhar já é um grande começo; uma boa maneira de se pedir desculpas pelo que a gente não faz quando deve fazer. Para dizer a verdade, como dizia Heráclito, Platão ou Saramago (que apesar de não estarem isentos de fazer o mal, tinham pouquíssimo tempo para fazê-lo): bem e mal não existem em si mesmos, são apenas a ausência um do outro. Então neste caso, o fato de não estar sendo ruim, já está se fazendo um pouquinho de bem.

P.S – Por falar em ruindade, quero falar em seu oposto, a bondade. Tanto tempo sem postar, gostaria de agradecer às pessoas que mantiveram este espaço de desvario vivo. Obrigado, sem as visitas de vocês isto aqui não teria sentido.

sábado, 18 de setembro de 2010

O fator de risco solidão



Instintivamente eu já sabia disso, mas agora deu até em jornal britânico de medicina. A solidão mata. Sim, mata mesmo. A expectativa de vida de um solitário é a mesma de um fumante, é muito parecida com a de quem tem problemas com álcool e um fator de risco mais perigoso que obesidade e sedentarismo. Na qualidade de ex-fumante e ex-solteiro, sinto um grande alívio – agora é só tomar cuidado com as outras estatísticas.

Sempre fomos muito mais do que aquilo que imaginamos de nós mesmos. É que temos a tendência de diminuir nossas qualidades, reduzi-las a um certo número de atributos quantificáveis e facilmente adquiridos com qualquer cartão de crédito. Nunca fui adepto desse papo de consumismo exagerado, capitalismo selvagem e tudo mais, porque o capitalismo e consumismo não existem, o que existe são pessoas que agem nocivamente, isolando-se em ilhas de si mesmas, onde são árbitras de si mesmas.

As ditas doenças modernas agora são um fato, começam a vigorar nas pautas dos grandes planos de saúde, nos anúncios de cigarros, nas embalagens de bebida e grifes de boutique. É triste saber que uma pessoa cheia de si está morrendo mais cedo porque está justamente cheia de si; uma espécie de preenchimento que não ocupa espaço algum. No Brasil as casas têm deixado de ser ocupadas por seis pessoas, na medida em que cresce a demanda de apartamentos para uma só; casais não pretendem mais ter filhos; aumenta a compra de forno microondas (o que, em minha opinião, é um eletrodoméstico feito para suprir a necessidade de quem é solteiro, assim como outros apetrechos do mundo urbano); tem-se comido miojo como nunca em grandes e requintadas travessas solitárias. Aí surge a pergunta: o que nós temos a ver com isso? Sei lá, na maioria das vezes a gente não quer nem saber do que está acontecendo em baixo de nossos narizes.

Bons talvez fossem os tempos de nossos avós, quando todo mundo se conhecia e quando acabava o açúcar, a gente não corria para o supermercado, mas batia na porta do vizinho. Quando se tinha família de cinco filhos e se ia à missa de Domingo. Quando a rua se juntava para picotar bandeirinha para copa do mundo. Quando as pessoas davam bom dia na rua ou quando ainda se incomodavam com os fuxicos da vizinha, que pelo menos sabia o nome da gente. Bons deviam ser os tempos em que as pessoas eram menos solitárias, respiravam melhor, abraçavam como mais facilidade e não ficavam hesitantes, como hoje ficam, ao perguntar: vai um abraço aí, vai?

domingo, 5 de setembro de 2010

Por uma vida menos ordinária


Foi num desses Sábados em que a gente fica zapeando de canal em canal, mesmo sabendo que não achará nada que presta na programação noturna da TV aberta, que me deparei com uma espécie de pegadinha solidária daquele programa sem graça do Mion. Era tudo muito simples, o programa expunha pessoas comuns em situações em que eram obrigadas a ajudar a um desconhecido ou se omitir, deixando-o em maus lençóis. A situação que mais me deixou intrigado foi a em que um ator, que fingia esperar sua vez na fila, roubava a carteira de uma moça à sua frente – que, evidentemente, também era uma atriz contratada. Em seguida, a moça dava por falta de sua carteira, para que então um terceiro ator fosse acusado injustamente pelo roubo. A pessoa logo atrás do ladrão de mentirinha deparava-se com o seguinte dilema: denunciar o ladrão e se expor ou então se omitir, deixando um justo pagar por um crime que não cometeu. Os resultados foram catastróficos para o inocente.

Está certo que vivemos em tempos inseguros, tempos em que as pessoas não dialogam mais e em que o bom senso às vezes exija que engulamos alguns sapos pelo caminho, mas será essa a única face que temos para mostrar: a da auto-preservação?

As coisas mudaram ou sempre foram assim? Quero dizer, no sentido mais hobbesiano da palavra: essa luta de todos contra todos em que somente conta o resultado final: eu? Aqui em São Luís, que é uma cidade pequena se comparada a outras capitais, certas novidades demoram a solidificar-se, mas já se vêem os primeiros sinais de impaciência, explosões de humor sem sentido, discussões de trânsito que acabam em morte, indelicadeza, desrespeito com os mais velhos, individualismo; eu, eu, e eu de novo. Sempre se falou que o brasileiro é um adepto da Lei de Gérson: “Você quer levar vantagem em tudo, não quer?”. Nos dias de hoje isto anda parecendo uma verdade inconveniente.

Não tenho propriedade para falar dos outros, mas de mim mesmo tenho. Da minha parte, vou fazendo o que posso para suavizar minha existência, sabendo que cada pequeno ato meu pode ser decisivo na vida de quem está próximo – da casca de banana que se joga na rua, ao candidato que se escolhe por conveniência. Está certo que não planto flores no quintal de meu vizinho, nem me ponho no dilema de denunciar um falso ladrão, mas vou tirando do caminho as pedras que posso, cumprimentando meus vizinhos e colegas de trabalho, me importando, tentando não me deixar levar por essa onda de indiferença. Quanto à pegadinha, que citei no primeiro parágrafo, os resultados foram os seguintes: 40% das pessoas denunciaram o ladrão e 60% se omitiram, deixando um inocente levar a culpa. Das pessoas que tiveram coragem de denunciar a injustiça, nenhuma se predispôs a ir à delegacia, mesmo estando cientes de que seu comparecimento seria a única maneira de esclarecer os fatos e inocentar o acusado. Tem coisas que não mudam. Pimenta no olho dos outros ainda é refresco.

sábado, 28 de agosto de 2010

A vida e a auto-ajuda


O fenômeno da auto-ajuda é um desses sinais do tempo. Uma verdade inconveniente que vez por outra nos é jogada, com toda a força, à cara: temos muita dificuldade em gerenciar as nossas próprias vidas e, por força de nossa incapacidade, precisamos apelar para esses manuais com doutrinas e fórmulas prontas. Para entender do que estou falando, basta que se verifiquem os campeões de venda do mercado editorial – o Augusto Cury, por exemplo, deve ter uns três exemplares em uma lista que tem dez livros.

Viver é difícil? Pode ser que seja, mas para precisar de manual de instruções?! Sei não. Poetas, escritores, filósofos – ah, esses filósofos – já se debruçaram no problema e a resposta foi uma só: continua sendo um problema insolúvel.

De repente viver é que nem cuidar de uma planta. Se essa não tem nem uma praga que a prejudique, regando e dando atenção, ela vai crescer sem grandes problemas. Parece simples – e avaliando bem a qualidade deste parágrafo, lembra até um desses conselhos da auto-ajuda. No entanto, não vejo outra forma de avaliar a situação. Viver não é difícil, somos nós que tornamos a vida difícil. Fazemos isso de toda maneira, seja nos prendendo às miudezas ou resolvendo – e muito mal – as nossas crises existenciais.

Não tem outro jeito, viver é dar o salto no desconhecido, sobreviver à lógica do absurdo. De qualquer maneira, é uma experiência individual cujo conhecimento não pode ser universalizado. Quer dizer, cada vida é uma vida, não se pode fazer de uma exemplo para as demais – o que desqualificaria completamente a indústria da auto-ajuda e demais gurus de plantão. Nada contra quem vende livro ajudando aos outros, mas quero viver feliz com o que tenho: agradecer o milagre da vida em seus pequenos detalhes e até mesmo ser feliz diante das dificuldades que surgem todos os dias. Não sou nenhum Pangloss[1], “mas tudo é para o melhor no melhor dos mundos possíveis”, além do quê, viver é muito bom e dá uma dó ter que morrer.


[1] Personagem do filósofo Jean-Marie Arouet (1694-1778), mais conhecido pelo pseudônimo de Voltaire. Pangloss, no romance Cândido ou do otimismo, era mestre da personagem principal e uma caricatura do filósofo alemão Gottfried Leibniz (1646-1716). Mesmo diante de todas as desgraças proporcionadas pelo mundo, Cândido insistia em repetir, como um mantra, uma máxima de seu mestre Pangloss: “É tudo para o melhor no melhor dos mundos possíveis”. Sem dúvida uma crítica mordaz ao ideal de filósofo dogmático representado por Leibniz, que mesmo presenciando os desatinos da existência humana, acreditava que a tragédia era apenas um movimento de uma ordem maior.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Um estudo sobre o nada


A seca inspiracional é algo que me deixa muito preocupado. Sabe como é: meses sem escrever tornam a escrita – um grande prazer que tenho – em uma torturante obrigação. Bom, acho que as coisas não deviam ser assim.

Oxalá eu fosse um desses escritores (quanta pretensão, aqui me incluir no rol dos escritores) que parem a palavra a torto e a direito e que tornam a língua um artifício dinâmico a serviço da arte. As minhas inspirações ainda estão presas nas paisagens, no eco das lembranças, no rabisco da página em branco. Ter meu texto ainda é difícil; é fazer um exaustivo exercício no escuro. E às cegas, colher o meu resultado no imprevisível.

Escrever sazonalmente ou voluptuosamente é ainda tarefa para poucos. A inspiração não é vendida em volumes nas livrarias nem em doses nas farmácias. Ela é gratuita, livre, solta e esse é problema dela, o que a torna etérea como fumaça. Os pitagóricos consideravam os números sagrados; elementos que surgiam na cabeça humana e que só podiam ter uma origem: os céus. Meu domínio divino é a palavra; a força que essa exerce em minha vida; o momento em que se abre uma brecha na minha vista cansada, para que eu consiga ver o mundo como ele é em meus sonhos mais distantes. Escrever; parir palavras, assim como no caso dos números, só pode ser sagrado, pois é enxergar Deus em um contínuo estudo sobre o nada.

domingo, 27 de junho de 2010

A palavra



Na adolescência, quando um dia pensei que faria poesia, uma garota me indagou acerca das maneiras de se escrever um bom poema. Na época, ingênuo que era dos intricados mecanismos da palavra viva, disse-lhe que bastavam inspiração e disposição para se escrever um bom poema. Agora percebo que estava enganado e que se hoje me perguntassem a mesma coisa, diria, que tenho a ver com isso? Ora, o poema é composto por palavras e estas contem em si os mais íntimos significados a serem expressos. O que sei eu da palavra?

Pensando no que escrevo é que me perco no oceano da palavra. Eu como ilha, cercado de palavras por todos os lados, não faço mais que trabalho de ourivesaria nem sempre tirando daí bons resultados e às vezes colhendo até frutos diversos (e até controversos) daquilo escrevi.

A palavra não tem sexo, endereço, RG, CPF. Ela é expressão. Expressão de quê? Do incontido, do inenarrável, do inebriante, do sublime, daquilo que – contrariando a minha fala – simplesmente não pode ter fala. A palavra usa e seu compromisso é consigo mesma. Mostra a sua beleza selvagem no bilhete escrito no papel de pão e no Ulisses de Joyce. E ainda corre à boca pequena que ela – a palavra – também é pequena. Não discordo. É pequena, média, grande, porque cabe em todo lugar e lugar nenhum. Ela é toda fronteira e não é.

Estando em toda parte: nos cadernos, nos muros, nos países, no DNA das pessoas, a dimensão humana é a própria palavra. Mas eu, que sei da palavra? Digo que nada sei. Que nada tenho a ver com esse bicho selvagem que toda hora me persegue sem dar sossego. E o pouco que penso saber desaparece no momento em que tento explicá-la, transformando o mutismo na melhor maneira de se falar no que tem que ser nomeado. Posso até falar besteira da palavra, mas sei que ela é linda. Sei que juntando algumas se pode fazer um soneto ou uma sentença de morte, fazer cantar o hino do Brasil ou explicar constituição do universo e falar do amor e de Deus.

O que sei eu da palavra? Sei dizer palavra. Simplesmente palavra.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Primeiro ano das palavras


Sei que é “comum”, às vezes, esquecer o aniversário de quem nos é muito querido. Esquecer do próprio aniversário já é demais. Há dez dias este blog completou seu primeiro ano de existência. Começou meio indeciso sobre o que fazer, mas com o passar do tempo e com a colaboração das gentis pessoas que liam os textos aqui publicados (e não posso deixar de citar Diana, Cacá, Sílvia, Sara, Adriano, Murilo Rafael, Biba, Thiago Assis, Vanessa, Letícia Palmeira e os demais que sempre passaram por aqui), dando suas valiosas contribuições, fui tomando um rumo e definindo o perfil deste pequeno espaço.

Hoje, com este ano de existência, percebo que ainda há muito o que fazer e aprender, afinal não é esta a razão de nossas vidas? No mais, tenho apenas que agradecer a paciência de vocês em ler o que escrevo e – mesmo que tenha sido um pouquinho que seja – se colaborei com o dia de vocês, tocando suas almas em algum ponto, já cumpri parte da tarefa da escrita e também ganhei meu dia.

Muito obrigado por tudo.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O dia em que Saramago deixou de ser




Tem dias que acho que jornal só serve mesmo para me entristecer. Hoje não foi diferente. Estava de saída para o trabalho quando soube da notícia que entristeceu os que amam a literatura verdadeira: Saramago deixou de ser. Deixou de ser porque era assim que encarava o mistério da morte.

No trabalho, durante as minhas aulas, falei aos meus alunos do acontecido: ninguém conhecia Saramago, o que também não deixa de ser trágico – falta de méritos da professora de literatura.

A ausência de Saramago, pelo menos para mim, deixa mais triste o mundo, pois se perde um gênio capaz de descrevê-lo com a força das letras. Nunca mais, senão pelo material que ficou para a posteridade, sentiremos o poder daqueles parágrafos enormes ou a da fantasia que se misturava à realidade cheia de arestas. Nunca mais verei aquele estilo Saramago de escrever, porque ele simplesmente deixou de ser.

É imprudente da minha parte escrever mais sobre alguém que dizia tudo até quando nada falava. Despeço-me com um trecho de quem de fato sabia escrever, o ultimo post do blog de José Saramago.

"Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma."
Adeus Saramago.

P.S: Já faz um tempo que não apareço por aqui. Mostrei a cara porque achei que tinha algo a falar de Saramago. Volto a hibernar imediatamente.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Bipolaridade


Casais são bipolares. Exagero? Tudo bem, então a maioria deve ser. Ainda é muito? Está certo, mas a metade é com certeza – e acreditem, deste percentual não abro mão. Pode ser que um dia um estudo científico sério até corrobore a minha afirmação e aí quero ver alguém duvidar de minhas estimativas. Sustento a bipolaridade dos casais por conta de situação ocorrida com um conhecido meu. Situação de tal maneira inusitada que não me furto a duvidar de sua veracidade.

O conhecido em questão queixava-se de divórcio ocorrido, segundo ele, por motivo banal. O litígio desfechou-se com golpe brutal da esposa, que num átimo de fúria resolveu covardemente subtrair o objeto de maior estima de meu conhecido: o seu colchão.

Numa situação como, esta não sei o que pode ser mais bipolar:

A separação por motivo banal;

O covarde furto do colchão;

O fato do mesmo nem sequer ser de mola.

Este acontecimento não é exceção, pois, mundo afora, existem histórias bem parecidas (para não dizer bizarras). Quem – falando nisso – não se lembra de Pedro e sua ex-namorada; hit do youtube (Pedro, me dá meu chip!!!), que também tinham as suas bipolaridades? Eu e minha esposa – que não é segredo para ninguém, nos amamos – de vez em quando temos nossas bipolaridades. Assim como você, que está lendo a crônica neste momento, e sua cara metade também podem ter as suas bipolaridades. Porque, afinal de contas, as paixões são assim mesmo, nos arrastam de uma ponta à outra. O que me faz acreditar que pensar que existem apenas 50% de casais bipolares é ser otimista demais.

Ah, pobre de meu conhecido, que duplamente inconsolável, não sei se pela perda da mulher ou de um lugar onde pudesse deitar as suas lágrimas, ainda se queixou: Ela levou o colchão. E agora, o que eu vou fazer? Você, falei, não sei, mas eu vou escrever uma crônica.

domingo, 4 de abril de 2010

Batismo


O casal com o bebê nas mãos desce cuidadosamente as pedras que os separam do mar – é que mesmo inamovíveis elas são traiçoeiras, lisas e cortantes com suas navalhas de minério. É a primeira vez que levam o bebê diante do velho oceano. Dizem que a vida surgiu ali, na água, e por que não, talvez pense o pai, ali se diluirá também, no comum acordo entre o que está morto e o que está vivo, onde as coisas do mundo têm seu prosseguimento. Portanto, deve ser importante aquela apresentação, onde o bebê, refletido nas águas, conhece aquele que com sua vontade alimentou homens ou fez sumir gerações inteiras deles nas suas imensas vagas.

Ao redor de todos eles, no mar, na areia, no ar ou até mesmo nas pedras, a natureza pulula em pequenas vidas e pequenas mortes.

O pai molha os pés e a cabeça do seu bebê na água. Levanta-o pelas axilas, exibindo-o à lua imensa na noite azulada. A mãe afaga os dois com o sorriso. E o mar, depois que lambe os pés da criança, se satisfaz com a reverência, prometendo no silêncio de suas ondas benção e proteção para mais uma pequena vida que oxalá, um dia irá girar seus dias em torno das mesmas águas onde agora se abençoa.

Voltam pelas pedras para ir embora, protegendo a criança do frio da noite. Atrás deles permanece o mar, sorrindo ao desfazer-se em espuma.

domingo, 28 de março de 2010

O embargo do banheiro público


Aconteceu mais ou menos assim: a SEMTHURB (Secretaria Municipal de Terras, Habitação e Urbanismo) apareceu no meio da hora do almoço para embargar a obra do banheiro público da pracinha. O pedreiro encarregado de capitanear a construção se recuperava de uma avassaladora buchada feita por sua mulher, quando levou um susto, que o fez levantar-se da sombra da tamarineira, onde descansava, ao observar o fiscal da prefeitura colar nas paredes de tijolos aparentes do banheiro público em construção um adesivo que continha em letras garrafais a palavra INTERDITADO. Podia-se observar, banheiro adentro, que os trabalhos já estavam bem adiantados, todas as paredes erguidas, o piso parcialmente assentado, trono e pia em seus devidos lugares.

O pedreiro exigiu dos fiscais imediatas explicações sobre o motivo do embargo, afinal a obra era coisa de importância; de utilidade incontestável aos beneficiados pela obra, diga-se de passagem, o dono da banca de jornal, os flanelinhas da praça, o pessoal do sindicato da Construção Civil – aliás, autores intelectuais e financiadores do tão polêmico banheiro –, os ambulantes do local e os eventuais desesperados em conflito com as próprias entranhas. Os fiscais da SEMTHURB, investidos de todos os poderes que a função de servidores do poder público municipal lhes poderia oferecer, preferiram ser reticentes com o problema: “Tem autorização da SENTHURB, tem? Não tem. Então está embargada a obra”.

Ora, a pracinha, o pode ser atestado diante do uso do grau diminutivo pracinha, é lugar pequeno e os tumultos podem ser avistados ao longe, é justamente por isso que em pouco tempo, toda uma multidão próxima ao local se acercava muito rápido dos detalhes do litígio. Apareceram o jornaleiro, os flanelinhas, os ambulantes, o pessoal do sindicato da Construção Civil e até mesmo um policial que não estava no exercício de suas funções, pois já havia terminado seu turno, mas de qualquer jeito resolveu ficar andando por ali, perto dos acontecimentos, pois é sempre necessário que se mantenha a ordem. Avolumada a discussão e com o reforço policial recém adquirido, os fiscais mantiveram-se irredutíveis às reclamações, tinham ao seu lado o Estado e todos sabem: o Estado nunca está errado: a obra permaneceria embargada. Quando chegou também a imprensa, já não se sabia mais quem tinha razão. Diante da negativa do Estado em satisfazer as necessidades mais básicas, neste caso muito básicas, já que são fisiológicas, o povo, cansado de ter cerceados seus direitos, só podia fazer aquilo que aprendeu a fazer em séculos e mais séculos de experiências: reclamou.

Enquanto não se podia saber se o banheiro ia ou não ser construído, uma mãe e seu filho passavam próximos à obra. O menino se contraiu e reclamou para a mãe: mãe, quero fazer xixi. Ora, menino, faz bem ali, atrás da obra. Mas tá cheio de gente, mãe! Psit! Ninguém vai reparar. Inadvertidamente, ignorando a aglomeração, o menino esvaziou sua bexiga atrás da obra – imensamente satisfeito ao fazê-lo –, sem saber que sua pequena ação contrariava a vontade do Poder Público, o que o tornou ao mesmo tempo contraventor e herói involuntário da pequena multidão. A necessidade é assim mesmo, dentro dos rígidos limites de conduta que os homens impõem a si mesmos, faz aquilo que aprendeu em séculos e mais séculos de experiências: ser necessidade.

domingo, 21 de março de 2010

Uma carta de amor


Como escritor tive a sorte de ter meus préstimos reconhecidos muito cedo por meus parentes. Tudo bem que as mensagens de final de ano e os discursos para cooperativas de taxistas não são minha área de predileção, mas ao menos os meus parentes parecem reconhecer em mim “alguém que escreve” – muito embora eles achem que morrerei de fome se continuar insistindo nisso.

Fora essas pequenas contribuições, capazes de encher de nostalgia as minhas tias mais velhas e homens acostumados a dirigir oito horas por dia, esse quase ofício me dá muitas outras alegrias – o Tico que o dia. Tico é um humilde e laborioso carroceiro cujo trabalho fica próximo à casa de minha mãe. Certa vez, quando eu estava indo ao trabalho, abordou-me cheio de cerimônias: seu Thomaz, posso lhe fazer uma pergunta? Além dessa que você acabou de fazer, perguntei e deixei Tico rindo sem graça. Fala, Tico. O que foi?, emendei. Tico endureceu o corpo e foi falando as palavras devagar, como se as escolhesse nos dedos. É que me falaram que o senhor é poeta. Meu Deus, pensei com meus botões, finalmente fui descoberto! Estão dizendo isso por aí, Tico? É, confirmou. Sim, impacientei-me, mas o que você quer? Encolheu os ombros, em seguida baixou a cabeça em sinal de humildade, olhando para o chão. É que conheci uma moça, mas não tenho coragem de me declarar e como o senhor, como ouvi dizer, mexe tão bem com as palavras – ele coçou a cabeça e suspirou profundamente – pensei se o senhor não poderia escrever uma carta de amor para eu entregar para ela.

Não lembro direito o que pensei em responder, acho que fiquei entre mandar ele se virar e conquistar a mulher ou simplesmente fugir para meus compromissos. Como tenho grandes dificuldades em dizer não, gesto que nada tem a ver com bondade, acabei jogando mais lenha naquele coração em brasas. Convidei-o a sentar-se comigo a uma mesa de uma lanchonete próxima e pedi para Tico abrir seu peito machucado, para que eu pudesse escrever alguma coisa – vocês sabem, o “poeta” precisa dessas dores genuínas que apenas são encontradas nos peitos desses apaixonados.

Não revelo o conteúdo da carta, porque aí seria bulir demais com os sentimentos do menino. O que foi curioso é que ao final da confecção da carta ele, todo empolgação, puxou uma cédula de dez reais, oferecendo-a. Olhei novamente para os céus e pensei: não deixa de ser um retorno financeiro. Tico, falei, guarda esse dinheiro e compra um presente para a moça, ela vai gostar. Tico levantou-se animado, segurando o pequeno pedaço de papel que nos consumiu quarenta e cinco preciosos minutos de vida. Antes de sumir, prometeu-me contar o resultado da empreitada.

Semanas depois, com a lembrança do evento enfraquecida em minha mente, mais uma vez fui abordado por Tico. No entanto, depois de compartilhar com ele tamanhas sentimentalidades, seu cumprimento foi muito mais efusivo: um sacolejo que me faltou quebrar os ossos, tanto que achei que a carta havia sido responsável por verdadeiro massacre sentimental. Na verdade, o efeito fora diverso do que eu pudera imaginar, ela adorara e estavam até de compromisso firmado. Agradeceu novamente e antes de voltar aos seus afazeres profissionais, disse-me: “Essa mulher é pra casar, poeta! Pra casar, poeta!

A felicidade de Tico me contagiou naquele dia e fiquei me fixando na palavra poeta. Às vezes é bom sentir-se um poeta, porque o mundo pode ser triste, mas ele pode ser melhorado quando se contribui com um versinho qualquer para torná-lo mais belo – criando uma obra monumental ou até escrevendo uma cartinha de amor para um carroceiro enamorado –, isso faz com que ele fique um pouquinho mais alegre.

domingo, 14 de março de 2010

O mar e a borboleta


Caso alguém não saiba, a cidade de São Luís, onde nasci e moro, é uma ilha. Se o fato for desconhecido, não tem problema algum, afinal, até nós que nela moramos só a percebemos ilha quando a vemos do mar.

Nas vezes em que saio da cidade (o que é raro, já que não sou de me locomover muito) observo coisas curiosas em terra firme ou no mar (de avião jamais, tenho pânico de alturas). Em uma dessas minhas vistas, estava eu fazendo a travessia marítima entre minha cidade e a cidade de Alcântara (que fica a uns 60 km daqui), quando resolvi me encostar na amurada do barco para fitar o mar (é que estava enjoado dos balanços que são tão agradáveis àqueles que tem tamanha intimidade com o misterioso oceano) e foi diante da imensidão cinza (pois a cor do mar daqui é cinza, a cor da saudade) que vi uma borboleta em um ousado voo sobre o mar.

Pouco sei de insetos e meu conhecimento sobre o mar é menor ainda, mas sei que suas naturezas são distintas e que nitidamente o mar é superior a todo ser vivente. Portanto, o que na perspectiva da borboleta deveria ser voo, para mim era o encontro inevitável com a morte nas águas caudalosas.

Observei o quanto pude a borboleta bater suas asas azuis (azul, a cor da esperança) em contraste com o horizonte cinza. Completei a travessia e é muito provável que a borboleta não o tenha feito. De repente o significado daquela travessia até fosse esse, o de nada atravessar, como acontece nos contos morais em que alguém se esquece de nos contar o final. Gosto de lembrar deste acontecimento como o dia em que vi singelo azul da borboleta e o imponente cinza do mar materializados no mesmo plano; uma alusão às lutas travadas todos os dia entre o pequeno indiferente e o grande previsível. Às vezes penso que, pelo menos em minha cabeça, a borboleta conseguiu chegar à beira da praia e no multicolor azul de suas asas refletiu toda a beleza do mundo na simplicidade do bater de asas. Gosto de pensar que às vezes o impossível é superado.

domingo, 7 de março de 2010

Rostos estranhos, mistérios estranhos


Interessante como surge a reflexão. Em mim pode vir através de qualquer estímulo. Quer dizer, eu não me sento e me concentro em algo, é a reflexão que me atinge quando estou assim, sem pensar em nada.

Agora, por exemplo, enquanto estou sentado em um banco de rodoviária, esperando o embarque de minha esposa, me sinto tocado pela reflexão da diferença ao me ver cercado por rostos estranhos que nada tem em comum com minha vida.

Todos são diferentes, eu acho. Raul cantarolava que cada um de nós era um universo, quem sabe até para nós mesmos. Deve ser verdade, o ser humano é um mistério indecifrável onde mil sábios debruçados não dariam uma resposta aproximada.

Viro a cabeça e contemplo um desses mistérios que perambulam por aí: uma senhora que carrega um menino chorão. Outro mistério senta ao meu lado: um garoto asiático que lê uma revista escrita em sua misteriosa língua – tão estrangeira quanto ele é em meu país e quanto eu sou em sua mente, assim como ele seria na minha. Cada pessoa nesta rodoviária para mim é um mistério. É um mistério aqui, no meu bairro ou no universo. Parece-me que assim será até o fim dos dias.

Fixo os olhos na plataforma de embarque e percebo que o ônibus em que minha esposa está, começa a manobrar para ir embora. Da janela me acena. Retribuo seu gesto de carinho. A todo velocidade o ônibus vai ao encontro de seu destino. Ao longe, misturada à paisagem, reconheço pouco a minha esposa. Tampouco reconheço a mim também.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Comunicado

Olá, meus queridos e minhas queridas. Estou aqui para informar-lhes - e os que me lêem devem ter notado - que andei ausente por uns tempos. Bom, tive uma miscelânea de problemas: pessoais, de saúde e profissionais, o que devo dizer-lhes, demandou engenho e dedicação. Mas aqui estou eu e não posso negar, estou cheio de saudades. Nas próximas semanas tentarei normalizar a situação deste blogue em agradecimento de todos aqueles que me fizeram muito feliz ao reclamar da ausência das palavras deste pobre biltre iletrado que vos escreve.
Do fundo de meu coração, meus mais calorosos abraços.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Casos de casal


Dedicado a um casal amigo cuja amizade não foi esquecida pela distância.

Eles nunca foram um casal muito comum. Não digo que eram simplesmente estranhos porque é palavra que ofende. Além do quê, não faz juz ao amor existente por trás de toda aquela crosta de excentricidade. Conheceram-se no colégio. Ela tinha 15 anos, fazendo a oitava série pela segunda vez. Sabe como é, menina nova, na janela, o dia todo pensando pra muito longe dos muros da oitava série. Já ele era mais sisudo, aplicado: 12 anos e na sétima série. Não sonhava tanto, ainda era mais criança que rapaz namorador.

Namoraram sem começar a namorar, ali no recreio da escola, nos horários de saída ou entre um encontro de turmas mistas – que era a única maneira de se contemplar as garotas da oitava série que passavam azuis, lilases, todas coloridas e decotadas. Ela resolveu contar tudo pelo oitavo encontro: tenho um problema, disse, te namoro; seguro tua mão; conheço os teus pais; namoro namoradinho; só não faço uma coisa: beijo não, tenho nojo, baba como baba – não suporto. Ele ficou olhando – não sabia ainda que a manifestação do afeto se dava nos encontros físicos. Concentrou-se aritmético e proferiu: não tem problema. Não? Não. Mas também quero te falar uma coisa. Fala. Não tem esse aparelhinho no meu ouvido. O que tem ele? Sem ele sou surdinho. Ah, suspirou.

Ela não gostava de beijo. Ele era surdo. Quer dizer, a doença congênita tirara-lhe 80% da audição. Tinha tudo pra dar errado. Não deu. Ela era imperiosa, brigava com ele o tempo todo, até quando não tinha razão. Ele contornava. Debaixo da saraivada de palavras, cofiava as orelhas e ocultamente desligava os aparelhos. Era engraçado vê-la reclamando que nem heroína de filme mudo. Valeu-se do recurso por pelo menos cinco anos, foi o tempo em que a segurança do pequeno delito tirou-lhe a prevenção, até que um teve a infelicidade de confirmar o que não podia ser confirmado – é que, com os aparelhinhos desligados, não dava para entender o que ela falava. Não deu outra: obrigado a ligar os aparelhinhos no máximo, ouviu até o que não merecia.

No décimo ano de namoro veio a decisão: iriam casar. Ela continuava firme: sem beijos, apenas em ocasiões especiais e isso porque a convenção exigia. Beijos sempre contados, no máximo quinze. Ele, ainda paciente, ainda que não pudesse mais desligar os aparelhos. No dia do casamento ela estava no altar, toda de branco, bonita como ele se lembrava na oitava série. Aceito. Ele de terno preto, alinhado, mas ainda assim acima do peso. Aceito. Pode beijar a noiva. Mais um beijo pra contabilidade escassa.

Quase vinte anos depois do não primeiro beijo e continuam casados. Brigam menos. Quase se separaram uma vez. Ela partiu pra casa da mãe. Ele foi pra um hotel. Reataram. Ela é advogada. Ele é administrador de empresas com pós em gestão hoteleira. Moram num apartamento bonito; quatro quartos e uma decoração alegre. Têm três filhos; duas meninas e um menino: Paula, Isabel e Jorge, respectivamente. Ele quer mais um. Gosta de número par e além do quê, quer acabar com a opressão da progesterona. Ela não quer mais filhos. A fábrica fechou, ela diz.

Assim se manifestou neles mais um ato da humanidade: em seus três filhos. Sei não, com essa mania de não dar beijo, ainda não sei sequer como fizeram o primeiro.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Cais


No terminal de espera do cais do porto todas as vidas se abraçam no mesmo aperto. Todos os nomes possuem o mesmo nome: espera. Os rostos são todos diferentes; as expressões se modificam (ou se mortificam?) de tempos em tempos dando a tão variados sujeitos, variadas aparências – o que tenta torná-los mais diferentes ainda. Mas é aí que a diferença se assemelha – em seu afã de tornar singulares os semelhantes, é que torna todos iguais. Não se pode dizer se é uma linha do rosto, um traço qualquer na fala ou um esgar que nada diz. No porto todos são parecidos porque esperam ou se despedem de alguém.

À frente está o mar plúmbeo, reticente, alheio aos anseios da espera. Ainda é o mesmo que foi feito por Deus, quando Este deixou cair por terra o líquido oceano. O homem atravessa o mar e nele estende as suas invisíveis pontes onde se deitam seus sonhos e seus terrores, para que no futuro outros homens estendam outras pontes e deitem outros sonhos e outros terrores. O mar será sempre o mesmo e como moeda de troca e justo tributo cobrará sempre um anseio e uma lágrima muda.

Chega do mar um navio sem nome (porque para o mar os navios não têm nomes). Saltam gentes que se misturam a outras gentes, é a saudade se materializando nos corpos. E assim como há quem chegue de algum lugar, há quem para outro parta e assim, mais uma vez, o navio que de tão longe veio, para tão longe novamente parte (levando consigo aquilo que os homens guardam dentro de si?) No terminal a rotina prossegue, uns voltam a esperar, divisando no mar um navio que ainda não existe. Outros partem levando consigo aquilo que o mar lhes trouxe à duras penas. Mudam as pessoas (por que mudam?), as esperas são outras, só o mar permanece o mesmo, abrindo em si a trilha das esperanças e sepultando em seu silêncio o segredo dos homens.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Precoce reflexão de minha tardia maturidade


Forever young, i want to be forever young.

Do you really want to live forever? Forever young?

– Alphaville, Forever young

Foi ao observar a débil tentativa de um amigo de infância em escalar um muro, que mais parecia ter-se transformado em uma montanha intransponível (dada a quantidade de panículo adiposo em sua protuberante barriga), que enfim pude perceber: os anos não voltam mais. Sensibilizado com seus padecimentos, resolvi apoiá-lo na difícil empreitada. O fato é que não prestei lá grande ajuda, meus dias de atleta com ótima constituição física também ficaram no passado. Depois de nossos esforços conjuntos, que foram seguidos de três ou quatro cervejas, falamos do bairro – onde estava apenas visita, já que não mais resido nele –, dos vizinhos, de nossas mulheres e nossos empregos. Acho que por pilhéria mesmo, detivemo-nos no assunto do muro. Afinal, era difícil acreditar que há menos de quinze anos o escalávamos só por brincadeira.

A vida parece ser cheia de etapas e peculiaridades. Fala-se da dificuldade em ser adolescente, da crise da meia idade, da reflexão da velhice. Mas ouço pouco acerca do elo perdido que é a passagem da juventude para a vida adulta, que é ali, quando se esta nos anos vinte, onde responsabilidade é uma quimera e de repente aparecem os filhos e os compromissos. Hoje olho para meus amigos e é certo que não somos velhos e que ainda estamos cheios de vida, mas vejo que não somos mais os “garotões” que éramos – com tudo o que nossa confusão e imaturidade propiciavam –, no máximo elegantes “trintões”. Do dia para a noite deixamos de morar com os pais (estes passam a ser amparados por nós); surgem os filhos (e aí vemos o quanto não éramos tão inocentes assim na mesma idade); em alguns a barriga avança; noutros é o cabelo que recua. Finalmente o tempo passa e a natureza nos faz homens.

Desde que me casei tenho pensado muito nisso, de como a natureza nos vai inclinando a tomar decisões; a deixar uma marca no mundo. Ao contrário de alguns contemporâneos, não encaro a velhice negativamente. Penso que envelhecer é viver mais e quanto mais se envelhece, mais aumenta a capacidade de se aprender mais sobre si mesmo – claro, quando isso é possível. Não sei dizer se o fim de tudo é inevitável, não sei, pois outro dia passou uma reportagem sobre uma árvore de cinco mil anos – no caso dela, a morte está mais para acidente que fatalismo –, mas quero pensar sabiamente sobre esse tempo que passa, quero viver melhor, me preocupar com o que realmente interessa: com o amor e não com a paixão; com a essência em vez da aparência. O tempo não volta, quero ter lembranças e não saudades.

domingo, 10 de janeiro de 2010

A carta

Recebi a visita de um colega da faculdade que por puro diletantismo ainda trabalha nos correios. Ser carteiro deve ter sido a terceira ou quarta profissão que devo ter idealizado quando criança. Se não me engano devo ter quisto ser antes bombeiro, cientista ou prestidigitador, eu acho. Tinha essa lembrança em mente, quando me veio a imagem bucólica do carteiro carregando consigo lembranças e saudades impressas nas cartas. Não é bem assim, disse-me o amigo, as pessoas não mandam mais cartas umas às outras, a maioria das correspondências resume-se a cobranças de empresas especializadas e ofertas de cartão de crédito. É uma pena, concordamos.

Já me referi anteriormente sobre a minha ignorância e deslocamento neste mundo veloz de Deus. Devo mesmo é ter nascido velho numa época em que os tempos já eram outros, penso. Diante das comunicações via satélite, sms, e-mail ou sei lá o quê moderno, o hábito de mandar cartas é muito lento. Na verdade, essa ferramenta que cada vez mais entra no terreno da nostalgia, deve sua sobrevida graças à sua essência oficiosa, pois comunicações de bancos e outros órgãos, ainda, não podem ser feitas via correio eletrônico.

Não é querendo desprezar esta era que se situa em cima dos cabos de fibra óptica da vida, mas pergunto àqueles que nasceram até 85: como descrever a emoção de receber uma carta de alguém tão querido, capaz de fazer tanta falta? Ou ainda, como falar da angustia que consome quem a enviou, na intenção de por nela o que de mais nobre pode ter uma alma? Não. Não há meio de comunicação capaz de proporcionar sensação igual. A vida voa, é a mais absoluta verdade, e hoje não se vive como se viveu cinqüenta anos atrás, assim como nada será igual nos vindouros cinqüenta anos que nos aguardam. O tempo é assim mesmo, ganha e perde acessórios; cria “novas tradições” ao tornar outras sem uso, assim como anda fazendo com as cartas. Quem sabe no futuro, nas viradas que o homem dá por aí, ele não acaba criando um meio, dentro das próximas medidas de convivência, de matar tão eficazmente as saudades como fazia uma carta belamente escrita.

domingo, 3 de janeiro de 2010

O que você tem a fazer este ano?


Fim de ano é a mesma coisa, aquele monte de listinhas que se faz para se melhorar de vida no ano seguinte. Parar de fumar, parar de comer, ser uma pessoa melhor. Enfim, o ano que termina sempre deixa algo a desejar, daí a intenção de fazer as tais listinhas: preencher as lacunas da vida. Depois do espocar dos fogos, a humanidade tem mais 365 dias para purgar os seus erros. Se for fato que o mundo foi concebido em sete dias, é tempo bastante para se ajeitar a vida.

Tempo é algo curioso, ele não existe, é apenas mais uma de nossas convenções. Vivemos no infinito e para que não enlouqueçamos no eterno, sabendo que todo o universo, e o que há nele, existirá indiferente à nossa presença, inventamos algo que só existe em nossas cabeças: o tempo. Afinal, não fará diferença para um cachorro, por exemplo, se são três horas da tarde, ele no máximo irá cheirar o relógio. Mas para quem só tem quinze minutos para executar algo complexo, três horas é o paraíso.

Então se o tempo não existe por si próprio e sim em nossas cabeças, o que nos resta é a fé. Fé naquilo que não se pode ver. A passagem do ano é um rito de passagem onde se tenta atrair a boa vibração do que é novo. Nestas horas vale tudo, apelar para todos os santos, para todas as crenças ou simpatias. O importante é acreditar no bem. No fim das contas, acreditar no bem, ainda é a melhor pedida para o ano que acaba de chegar. Comer lentilha, pular onda, tomar banho de mar. A melhor simpatia para 2010 é ser feliz. Feliz ano novo.

P.S – Gostaria de avisar aos leitores deste blog que, devido a problemas pessoais, nas próximas duas semanas não serei tão atento a todos os que me dão tanta atenção. Desde já sou grato a compreensão, prometendo retornar à normalidade nos próximos vinte dias.