
Os anos oitenta produziram coisas muito legais que infelizmente não mais existem. Muitos de vocês não desejaram uma Caloi; brincaram com um pirocoptero; se divertiram horas em frente a um Atari ou então perderam as tardes de domingo assistido ao MacGyver, estrelado pelo grande Richard Dean Anderson. O tempo passa, o tempo voa e a poupança Bamerindus já nem existe mais – aliás, sequer o banco Bamerindus.
Toquei neste assunto porque me lembrei de um desenho animado daquele período chamado Cavalo de Fogo. A trama era batida, falava de uma princesa exilada que anos depois voltava para reclamar o próprio reino. Tratava-se do velho clichê maniqueísta, onde bem e mal, muito bem delimitados, eram os grandes antagonistas. Vale lembrar que estávamos nos anos oitenta, o mundo tinha lados opostos e como nos versos de uma canção da época, havia duas Alemanhas, duas Coréias, todos se dividiam, todos se separavam. Era este o universo da Guerra Fria, onde, dependendo da ótica, ora se era o bem, ora se era o mal. Naturalmente tudo no mundo rezava aquela cartilha, inclusive os desenhos animados. Aí você passava os episódios todos torcendo para que a princesinha vencesse o mal e ao final de tudo, era o que de fato acontecia. Simples assim. Cavalo de Fogo, eis um bom desenho.
Bem e mal, na cabeça de cada um, parece sempre ter tido a nítida diferença entre ambos, o conhecimento necessário para que não se confundisse nunca um com o outro. Certo? Errado. Bem e mal, que são como água e óleo, ainda são capazes de confundir. Exemplos dessa ambigüidade abundam na história: Hitler, Mao Tsé Tung, Stalin, Osama Bin Laden, a corrupção, a passividade, a oportunidade, a esperteza, a lei de Gérson (esta não foi inventada na década de oitenta, mas cabe em qualquer época), o Onze de Setembro (pode ser o dos Estados Unidos ou o do Chile), o crime, a justiça com as próprias mãos.
Em algum momento da história do mundo, os eventos e as personagens que citei foram de um pólo a outra nesta saga de opostos. O extermínio sistemático de judeus ou de qualquer outro povo já foi um dia justificado. Muitos de nós, ao presenciar a horrível morte do garoto João Hélio, desejamos fim semelhante a seus algozes – como se Justiça consistisse em lei de Talião em um estado democrático de direito. Ou quando alguém tira proveito de determinada vantagem, o que muitas vezes pode consistir em desonestidade, ato ilegal. E podem-se citar outros eventos onde não se pode definir ao certo o que é bem ou mal.
Por vezes já me peguei em dúvidas sobre o que era certo ou errado e ainda não sei o que quero, mas sei o que não quero para o mundo em que vivo. Não quero uma justiça que, incapaz de evitar o crime, mate o criminoso, mas também não aceito as condições sócio-econômicas como justificativa para que alguém se torne criminoso. Não desejo enganar ninguém, no entanto não espero que minha honestidade sirva de mote para que me ludibriem. Não espero que as pessoas reivindiquem violentamente os seus direitos, mas sei que as autoridades não podem se calar diante do pacifismo. Não quero que o governo se esqueça dos oprimidos, mas também não espero que os oprimidos esqueçam que existe algo chamado propriedade privada. Não quero abusar da paciência de ninguém, mas não quero ser esquecido nos labirintos da burocracia.
Bem e mal são opostos, isto é claro e evidente. Só que não é lícito que se manipule os fatos, transformando o mal de uns em bem para outros. É importante lembrar que a Justiça não é cega para se omitir diante das torpezas, mas sim para não nos diferenciar uns dos outros. A dessemelhança entre bem e mal é saber se aquilo a que se chama benefício agrada a todos e não apenas uma parcela. Portanto, se a felicidade se torna prejudicial para alguém, tem algo de errado nisso. Nos anos oitenta eu enxergava isto bem melhor. Ah, que saudades do Cavalo de Fogo!