domingo, 18 de outubro de 2009

Melancolia


Têm dias que a gente acorda, não sabe por que, melancólico. Natural. Como não sou melhor que o resto do mundo, acontece comigo com bastante freqüência. É aquela ponta inominável de tristeza capaz de descolorir o azul de qualquer dia bonito; tornando opaca a transparência; o passageiro em perpétuo; estas naquelas. Que não me venham nestas horas com a conversa hipócrita de que existem pessoas que sofrem por motivos bem mais cabíveis que os meus. Besteira. Que não me venham com isso. Lamento muito por quem é meu irmão no sofrimento, mas minha dor também é genuína.

Pois acordei assim: melancólico. Gostaria muito que quando estivesse desse jeito, pudesse ficar quieto na minha, apenas cuidando de meus filhos e afazeres. Só que o mundo não pára esperando que você tome fôlego. É necessário fazer como todos: viver a vida. Mesmo que isso signifique morder a fatia amarga daquilo que não se deseja. Infelizmente nesse dia tive de sair de casa com ela – a melancolia – pegada às costas.

A minha rotina inclui pegar um ônibus, mas se você está chateado por algum motivo – como eu estava – e tem de pegá-lo lotado, com gente que ainda por cima acha possuir o direito de não enfrentar fila, uma tarefa dessas, que já não é fácil, torna-se ainda mais árdua. Com muito custo subi no coletivo e – para completar o meu dia ruim – fiquei em pé, remoendo os pensamentos daquela manhã. Por acaso ou divina providência, apareceu um assento vago e como ninguém se manifestava ocupá-lo, o ocupei. Uma vez sentado, continuei em minha melancolia. Foi quando vi uma senhora, já curvada pelo vagar dos anos, rompendo com muito custo a multidão de passageiros. Como já disse antes, estava melancólico, mas não mal-educado. Ofereci-lhe o lugar e ela, após muita resistência, concordou em sentar-se. Ela agradeceu a gentileza, falando o quanto eu era educado, belo e jovem. Tive vontade de dizer a ela que nunca me achara belo e que já não era tão jovem – já estou na casa dos trinta –, mesmo assim aceitei calado o elogio. Também pediu que segurasse minhas coisas e como aquelas eram pesadas, hesitei e por fim acabei dando-lhas. No momento em que as transferia de mim para ela, cruzamos nossos olhares. Como quem diante de um poço sem fim se debruça para ver seu interior, vi os olhos de quem vive e envelhece estoicamente em um mundo de agruras.

A senhora que eu não conhecia e que podia ser muito bem a avó que também não conheci, acabou me ensinando – sem nada querer ensinar – mais que todas as religiões do mundo, me ensinou que o tempo passa pela gente, mas algo de nós permanece imutável, indiferente à corrupção dos anos e que estar só no mundo é uma escolha que embora ruim, pode ser muito bem superada se amarmos para que nos amem. Deu vontade de descer do ônibus e ir para casa, abraçar a família, dizer a eles que, apesar de meu mau-humor, daria o que tenho de melhor; o que me faz ser homem e não coisa. Pela janela, que estava aberta, vi a paisagem. O horizonte passava ora nuvem, ora árvore.

5 comentários:

  1. Já li muita coisa tua e pretendo findar meus dias lendo. O comum para muitos é que os melhores textos venham com o passar dos anos, pois inúmeros são os que acreditam na experiência como condição de sabedoria. Eu, na minha humilde especulação, ainda acredito em dom, e tu pareces vez outra a comprovar tal raciocínio, pois às vezes tenho a tácita impressão, e este texto é um deles, que nunca mais lerei coisa tão bem feita. parabéns!

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  2. Simples e eficiente! A vida é muito curta para cultivarmos melancolia sem sentido.

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  3. Olha.. e não é que homem também tem TPM...r.s.

    Desculpe a brincadeira, mas é que quando somos nós, as mulheres que amanhecem assim, o mundo já rotula logo ser a tal da TPM...

    Brincadeiras à parte... gostei muito do seu texto.. Já nem sei mais quantas e quantas vezes eu acordo deste jeito e tenho o mesmo pensamento que vc: "...o mundo não pára esperando que você tome fôlego. É necessário fazer como todos: viver a vida...".

    A vida é muito difícil, muito mesmo, e somos as vezes tão pequenos diante de cada problema, sofrimento, ensinamento que muitas das vezes pensamos que devemos desistir... mas devemos continuar... persistir... sofrer e lutar.. sempre!

    Um abraço!!
    Fica bem!!

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  4. Também tenho dias assim, e a minha única vontade é não ver ninguém, ficar no meu canto com um bom livro, mas lá fora o mundo continua a girar e nós fazemos parte dele neh...
    Muito bom seu texto!

    Beeijos!

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