domingo, 20 de dezembro de 2009

O dia que a floricultura fechou





Trazia minha mãe de uma consulta médica, onde a havia levado a fim de que tratasse de alguns reumatismos que os anos lhe deram, quando enfim percebi que a floricultura fechara as portas. Podia tê-las fechado há meses, mas me dei conta somente naquele momento. Como estou acostumado a me locomover para os lugares de ônibus, sendo sempre o passageiro e não o condutor, aprendi a ver o mundo assim, de passagem – o que quem sabe poderia justificar a minha relutância em dirigir. Foi numa das várias olhadas que dou pela janela, entre um dos pontos em que o ônibus se permite parar, seja para a subida ou descida de passageiros, que tomei conhecimento de mais aquela falência. Entristeci.

Sei que uma floricultura é apenas mais um negócio guiado pelos ditames do capitalismo. Porém, se me perguntassem sobre o que preferia ver fechado, uma floricultura ou um banco, mil vezes diria o banco. Um banco trabalha com variáveis, com taxas de câmbio, estatísticas, com números. Enfim, com o que é relativo ao dinheiro. E as pessoas que trabalham no banco ou dele são clientes, estão sempre de um dos lados do balcão de atendimento, guarnecidos de quaisquer emoções. Uma floricultura não, ela é diferente, mesmo que esta seja voltada para o lucro, ainda assim existe nela um exercício de paciência, onde está envolvida a dedicação e até mesmo o amor dos seus envolvidos. Uma floricultura trabalha com o belo, com os sentidos, com a alma. E no fim das contas, o bem que se almeja não é o do comerciante nem do comprador, mas daquilo que é vendido, as flores.

Em nossos dias conferem-se nos dedos as artes preocupadas em realizar o melhor que elas possuem em si mesmas. Boa parte delas, senão sua quase totalidade, vem se preocupando com o que é mais eficaz, mais lucrativo. Se não é capaz de atingir o esperado, fecha as portas como a pobre floricultura. O que me faz pensar se nossas paixões não andam sendo pautadas por esse sentimento de poder e conquista que não permite um olhar desinteressado em proveito daquilo de mais importante que tem o humano: a sua humanidade. Escrevo entristecido ao constatar essa amarga verdade e ao fazê-lo contemplo um belo vaso de flores de plástico. As flores de plástico não morrem, este é o problema delas.

7 comentários:

  1. Oh Thomaz tens sensibilidade, por isso e só isso já tens a semente da minha amizade, e pelas flores, já tens o adubo. As flores de plástico não morrem, sendo assim nunca corremos o risco de perdê-las, isso fica muito sem emoção não é verdade?! Também fico triste com o artificial, e sobrevivo com a naturalidade das palavras sensíveis que colho aqui e ali...abraços e até a próxima leitura.

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  2. Thomaz...

    Caramba.. vc conseguiu me transportar ao Ônibus... à porta da floricultura fechada.. e até mesmo as pessoas sentadas no banco conversando sobre dinheiro...

    A flores tem outro significado.. Eu ainda não o conheço.. mas admiro quem o faz...

    Bjos

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  3. Thomaz,

    Segunda-Feira e leio teu texto que me diz algo que também me deixa triste. Estamos nos tornando menos humanos? Penso nisso - quase o tempo todo... ao conversar com pessoas, ao ver o mundo... E tudo é meio plástico mesmo. E eu também não gostaria de ver se fechar uma floricultura.

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  4. Captaste essa passagem de tua vida com uma sutileza inigualável.
    Acompanherei tuas palavras...

    =)

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  5. Belo texto, de uma sensibilidade aguçada. Que a simplicidade das flores nos redima!

    Abraços,
    mR.

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  6. bem melhor seria um mundo com mais floriculturas e menos bancos...

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  7. Exércitos de homens só. Noto muita gente em tese compartilhando de valores bem humanistas. No entanto, a prática "Humana" é outra. Somos julgados pelo que podemos possuir ou possuírmos. Não adianta se vc vive bem, você ainda tem que ter ambições para ter qualidades. Todo mundo repete o mantra " o trabalho dignifica o homem", quando na verdade, o trabalho, muito longe de ser uma escolha para maioria dos seres humanos, apenas afasta você de sua familia, amigos e amores.
    Sós?

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