
O fenômeno da auto-ajuda é um desses sinais do tempo. Uma verdade inconveniente que vez por outra nos é jogada, com toda a força, à cara: temos muita dificuldade em gerenciar as nossas próprias vidas e, por força de nossa incapacidade, precisamos apelar para esses manuais com doutrinas e fórmulas prontas. Para entender do que estou falando, basta que se verifiquem os campeões de venda do mercado editorial – o Augusto Cury, por exemplo, deve ter uns três exemplares em uma lista que tem dez livros.
Viver é difícil? Pode ser que seja, mas para precisar de manual de instruções?! Sei não. Poetas, escritores, filósofos – ah, esses filósofos – já se debruçaram no problema e a resposta foi uma só: continua sendo um problema insolúvel.
De repente viver é que nem cuidar de uma planta. Se essa não tem nem uma praga que a prejudique, regando e dando atenção, ela vai crescer sem grandes problemas. Parece simples – e avaliando bem a qualidade deste parágrafo, lembra até um desses conselhos da auto-ajuda. No entanto, não vejo outra forma de avaliar a situação. Viver não é difícil, somos nós que tornamos a vida difícil. Fazemos isso de toda maneira, seja nos prendendo às miudezas ou resolvendo – e muito mal – as nossas crises existenciais.
Não tem outro jeito, viver é dar o salto no desconhecido, sobreviver à lógica do absurdo. De qualquer maneira, é uma experiência individual cujo conhecimento não pode ser universalizado. Quer dizer, cada vida é uma vida, não se pode fazer de uma exemplo para as demais – o que desqualificaria completamente a indústria da auto-ajuda e demais gurus de plantão. Nada contra quem vende livro ajudando aos outros, mas quero viver feliz com o que tenho: agradecer o milagre da vida em seus pequenos detalhes e até mesmo ser feliz diante das dificuldades que surgem todos os dias. Não sou nenhum Pangloss[1], “mas tudo é para o melhor no melhor dos mundos possíveis”, além do quê, viver é muito bom e dá uma dó ter que morrer.
[1] Personagem do filósofo Jean-Marie Arouet (1694-1778), mais conhecido pelo pseudônimo de Voltaire. Pangloss, no romance Cândido ou do otimismo, era mestre da personagem principal e uma caricatura do filósofo alemão Gottfried Leibniz (1646-1716). Mesmo diante de todas as desgraças proporcionadas pelo mundo, Cândido insistia em repetir, como um mantra, uma máxima de seu mestre Pangloss: “É tudo para o melhor no melhor dos mundos possíveis”. Sem dúvida uma crítica mordaz ao ideal de filósofo dogmático representado por Leibniz, que mesmo presenciando os desatinos da existência humana, acreditava que a tragédia era apenas um movimento de uma ordem maior.