sábado, 28 de agosto de 2010

A vida e a auto-ajuda


O fenômeno da auto-ajuda é um desses sinais do tempo. Uma verdade inconveniente que vez por outra nos é jogada, com toda a força, à cara: temos muita dificuldade em gerenciar as nossas próprias vidas e, por força de nossa incapacidade, precisamos apelar para esses manuais com doutrinas e fórmulas prontas. Para entender do que estou falando, basta que se verifiquem os campeões de venda do mercado editorial – o Augusto Cury, por exemplo, deve ter uns três exemplares em uma lista que tem dez livros.

Viver é difícil? Pode ser que seja, mas para precisar de manual de instruções?! Sei não. Poetas, escritores, filósofos – ah, esses filósofos – já se debruçaram no problema e a resposta foi uma só: continua sendo um problema insolúvel.

De repente viver é que nem cuidar de uma planta. Se essa não tem nem uma praga que a prejudique, regando e dando atenção, ela vai crescer sem grandes problemas. Parece simples – e avaliando bem a qualidade deste parágrafo, lembra até um desses conselhos da auto-ajuda. No entanto, não vejo outra forma de avaliar a situação. Viver não é difícil, somos nós que tornamos a vida difícil. Fazemos isso de toda maneira, seja nos prendendo às miudezas ou resolvendo – e muito mal – as nossas crises existenciais.

Não tem outro jeito, viver é dar o salto no desconhecido, sobreviver à lógica do absurdo. De qualquer maneira, é uma experiência individual cujo conhecimento não pode ser universalizado. Quer dizer, cada vida é uma vida, não se pode fazer de uma exemplo para as demais – o que desqualificaria completamente a indústria da auto-ajuda e demais gurus de plantão. Nada contra quem vende livro ajudando aos outros, mas quero viver feliz com o que tenho: agradecer o milagre da vida em seus pequenos detalhes e até mesmo ser feliz diante das dificuldades que surgem todos os dias. Não sou nenhum Pangloss[1], “mas tudo é para o melhor no melhor dos mundos possíveis”, além do quê, viver é muito bom e dá uma dó ter que morrer.


[1] Personagem do filósofo Jean-Marie Arouet (1694-1778), mais conhecido pelo pseudônimo de Voltaire. Pangloss, no romance Cândido ou do otimismo, era mestre da personagem principal e uma caricatura do filósofo alemão Gottfried Leibniz (1646-1716). Mesmo diante de todas as desgraças proporcionadas pelo mundo, Cândido insistia em repetir, como um mantra, uma máxima de seu mestre Pangloss: “É tudo para o melhor no melhor dos mundos possíveis”. Sem dúvida uma crítica mordaz ao ideal de filósofo dogmático representado por Leibniz, que mesmo presenciando os desatinos da existência humana, acreditava que a tragédia era apenas um movimento de uma ordem maior.

5 comentários:

  1. O cara ou a pessoa que criou a auto ajuda, creio que tentou sistematizar um tanto de pensamento filosófico, sociológico e psicanalítico. Até aí tudo ia mais ou menos bem, mas como vivemos num mundo de oportunidades (ou oportunismos?), industrializaram a auto ajuda. Eu fiquei uma semana na bienal de SP e posso lhe dizer que mais da metade, sem nenhum exagero, de todas as publicações que desfilaram por lá, tratavam disso. Abraços. Paz e bem.

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  2. "Quer dizer, cada vida é uma vida, não se pode fazer de uma exemplo para as demais – o que desqualificaria completamente a indústria da auto-ajuda e demais gurus de plantão."

    Exatamente, livros de auto ajuda vendem porque as pessoas não querem ter a responsabilidade da suas próprias vidas...

    No direction

    everyone is looking for something
    and they assume somebody else knows what it is
    no one can live with the decisions of their own
    it seems so they look to someone else
    to tell 'em what to be
    tell 'em what to wear
    tell 'em what to say
    tell 'em how to act and think and compel others compulsively
    until the world is all like them

    Bad Religion

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  3. Delicia de blog, lindo teu cantinho

    Beijos!!

    Talita
    tatapalavrasaovento,blogspot.com

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  4. É verdade. Complicamos o que não há.
    E ao final perceber que é mais fácil deslizar pela vida do que soletrar cada percalço.
    Ah, nós, homens ... :D

    Que voce tenha uma boa semana, Thomaz

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  5. esse tipo de livro só ajuda o autor a ganhar dinheiro.

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