domingo, 5 de setembro de 2010

Por uma vida menos ordinária


Foi num desses Sábados em que a gente fica zapeando de canal em canal, mesmo sabendo que não achará nada que presta na programação noturna da TV aberta, que me deparei com uma espécie de pegadinha solidária daquele programa sem graça do Mion. Era tudo muito simples, o programa expunha pessoas comuns em situações em que eram obrigadas a ajudar a um desconhecido ou se omitir, deixando-o em maus lençóis. A situação que mais me deixou intrigado foi a em que um ator, que fingia esperar sua vez na fila, roubava a carteira de uma moça à sua frente – que, evidentemente, também era uma atriz contratada. Em seguida, a moça dava por falta de sua carteira, para que então um terceiro ator fosse acusado injustamente pelo roubo. A pessoa logo atrás do ladrão de mentirinha deparava-se com o seguinte dilema: denunciar o ladrão e se expor ou então se omitir, deixando um justo pagar por um crime que não cometeu. Os resultados foram catastróficos para o inocente.

Está certo que vivemos em tempos inseguros, tempos em que as pessoas não dialogam mais e em que o bom senso às vezes exija que engulamos alguns sapos pelo caminho, mas será essa a única face que temos para mostrar: a da auto-preservação?

As coisas mudaram ou sempre foram assim? Quero dizer, no sentido mais hobbesiano da palavra: essa luta de todos contra todos em que somente conta o resultado final: eu? Aqui em São Luís, que é uma cidade pequena se comparada a outras capitais, certas novidades demoram a solidificar-se, mas já se vêem os primeiros sinais de impaciência, explosões de humor sem sentido, discussões de trânsito que acabam em morte, indelicadeza, desrespeito com os mais velhos, individualismo; eu, eu, e eu de novo. Sempre se falou que o brasileiro é um adepto da Lei de Gérson: “Você quer levar vantagem em tudo, não quer?”. Nos dias de hoje isto anda parecendo uma verdade inconveniente.

Não tenho propriedade para falar dos outros, mas de mim mesmo tenho. Da minha parte, vou fazendo o que posso para suavizar minha existência, sabendo que cada pequeno ato meu pode ser decisivo na vida de quem está próximo – da casca de banana que se joga na rua, ao candidato que se escolhe por conveniência. Está certo que não planto flores no quintal de meu vizinho, nem me ponho no dilema de denunciar um falso ladrão, mas vou tirando do caminho as pedras que posso, cumprimentando meus vizinhos e colegas de trabalho, me importando, tentando não me deixar levar por essa onda de indiferença. Quanto à pegadinha, que citei no primeiro parágrafo, os resultados foram os seguintes: 40% das pessoas denunciaram o ladrão e 60% se omitiram, deixando um inocente levar a culpa. Das pessoas que tiveram coragem de denunciar a injustiça, nenhuma se predispôs a ir à delegacia, mesmo estando cientes de que seu comparecimento seria a única maneira de esclarecer os fatos e inocentar o acusado. Tem coisas que não mudam. Pimenta no olho dos outros ainda é refresco.

6 comentários:

  1. Eu acho que o caminho agora é esse mesmo Tomaz. A gente ainda precisa continuar fazendo a nossa pare e continuar a creditando que é possível, a despeito de toda essa patética indiferença que tem um efeito devastadoramente contagioso. Eu continuo a creditando nas pessoas e fazendo o possível para ser melhor um pouco mais a cada dia. As grandes mudanças que sonhei de uma turba ensandecida reivindicando seu lugar como sujeitos da história e consertando o mundo, acho que agora tem que se operar a partir do indivíduo. Somos um grãozinho apenas no universo, mas assim é que se formam as montanhas rochosas. Abraços, meu caro! Paz e bem.

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  2. É... A vida se tornou isso mesmo, ou se tornou ou sempre foi assim ou pior, se bem que pior do que está, é inimaginável. Mas enfim... Também vi a reportagem e lhe confesso que não fiquei nenhum pouco perplexa. Convivo todos os dias com situação igual ou pior. Não preciso ir buscar experiências muito longe, sou professora e convivo todos os dias com professores egoístas e oportunistas que não tem ciência nenhuma da profissão que exercem. Roubar a oportunidade de alguém, ainda continua sendo ROUBO.
    Muito bom seu texto e muito melhor o seu posicionamento.
    Parabéns!

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  3. Não me admira em nada a qualidade do texto, e sua posição, desde as primeiras palavras pude sentir que se trata de alguém de princípios...Gostei bastante, tem que escrever mais...E plantar flores no quintal vizinho, hoje em dia, seria forçado demais, basta não plantar ervas daninhas...Abraço.

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  4. cara, a auto-preservação é uma característica inerente não só ao ser humano quanto a outros animais... ou vc acha q um rato vendo um grupo de gatos vai se atrever a atravessar entre eles? não mesmo.

    a questao em si não é a auto-preservação, mas sim a insegurança, o estado de medo em que a sociedade foi colocada ao longo das ultimas decadas.


    ps.: cara, são luis... um primo meu acabou de ir praí estudar, e tem uma amiga minha q é daí e faz faculdade aqui cmg =D


    www.euthiagoassis.blogspot.com

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  5. Pois é, estas pegadinhas são o termômetro da sociedade. Dá pra ver o grau de solidariedade e do medo das pessoas. A verdade é que muitas vezes sobra para o que teve boa intenção. Não digo que seja o correto, mas apenas constato. E aí vem a pergunta: o que fazer? Se arriscar a levar uma surra ou ajudar? Até hoje não sei. Tudo é um reflexo da sociedade que criamos.
    Abraços. Ótimo post.

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  6. Só em olhar a foto já senti uma coisa forte por dentro e depois que li me emocionei. Parabéns pelo blog, foi minha primeira visita e confesso que adorei e estarei sempre fazendo umas visitinhas por aqui. Beijos

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