sábado, 25 de dezembro de 2010

O cheiro da felicidade


Quando eu tinha treze anos, lembro que a rede Bandeirantes exibia aos domingos uma sessão de filmes mais artísticos – eles eram legendados e tudo, contrastando com a exibição tradicionalmente dublada. Lembro também que não gostava muito deles, mas mesmo assim os assistia com bastante atenção, pois queria ser diferente dos meus colegas de infância, que naquela idade entretiam-se mais com as comédias picantes típicas da década de oitenta, como Porkys e o O último americano virgem, ou então as pornochanchadas brasileiras que, aliás, também eram exibidas naquele mesmo canal, nas segundas feiras clandestinas – obviamente clandestinas pela pouca idade que todos nós tínhamos. De todos os filmes que assisti naquelas sessões de domingo, sobra muito pouco para entrelaçar todas as tramas, mas lembro muito bem de um deles, um que era francês e se chamava Barjo.

Não que a película francesa tenha marcado a minha vida, mas uma atitude da personagem principal, à época, chamou-me bastante a atenção – e lembrei-me disso agorinha mesmo. Ele, e a história dizia que desde a infância, tinha uma coleção de balinhas de leite acondicionadas dentro de um saco plástico. Em momentos de grande tensão, tirava-as de seu casaco e as cheirava fortemente. As minhas críticas cinematográficas não eram tão exigentes quando eu tinha treze anos, mas imaginei, e nisso senti uma ligação fortíssima entre mim e a personagem, que aquilo deveria possuir o cheiro da felicidade, capaz de espantar tudo o que é infelicidade. Não que eu achasse que a felicidade possuísse cheiro de balas de leite, para mim, ela cheirava mesmo era a plástico novo.

Pode parecer meio bobo, no entanto todos nós um dia depositamos as nossas expectativas no cheiro que alguma coisa nova exalava. Quem nunca pensou como o ano letivo parecia promissor ao cheirar o material escolar novinho? As paredes cheirando a tinta fresca da tão sonhada casa nova, quem não a cheirou, hein? Ou então o cheiro do bebezinho que se acabou de ter, quem nunca depositou mil esperanças no cheiro do filho recém nascido?

A felicidade é imaterial. Claro, ela é um estado de espírito estampado bem na cara de quem está feliz. Porém não se deve negar que a fé, o desejo de realização, a própria humanidade são capazes de tornar o invisível em palpável. Meus sonhos de criança e minhas expectativas estratosféricas (não fui à lua como eu esperava, mas a pinto todos os dias de minha vida com a tinta forte daquilo que escrevo) continuam vivos, porque no fundo ainda sou capaz de materializar os sentimentos mais importantes nas coisas mais cotidianas, como o cheiro do plástico novo. E para você, qual é o cheiro da felicidade?

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