domingo, 1 de novembro de 2009

Do irrepetível


Minha mulher estava sugerindo alguns temas de crônicas quando surgiu a palavra irrepetível. Palavra forte e de teor muito definitivo. Mas ela soava estranha em meus ouvidos, tinha algo que me fazia duvidar de sua aplicabilidade no mundo morfossintático. Como não possuo dotes de filólogo, essa ciência de suma importância e pouco reconhecimento, pedi o auxílio do guia de ignorantes como eu, fui consultar o dicionário.

Usei o Silveira Bueno, antes tivesse usado o Aurélio, pois acabei não achando a tal palavra. Então vai aí uma definição intuitiva, de palavra cuja existência é duvidosa, de quem não é autoridade em coisa alguma. Irrepetível. Diz-se de algo que não se repete; único; diz-se daquilo que só acontece uma vez. Por meio de uma noção, ainda que superficial, pode-se vislumbrar o poder do que é irrepetível e da força que exerce na existência.

Dizem por aí que a vida é curta. É verdade, ela é curta mesmo e até onde se sabe – a despeito de Budismo, Espiritismo, Orfismo e demais doutrinas que falem em encarnação – é praticável não mais que uma única vez. Portanto, irrepetível. Como esta – a vida – é feita de momentos e momentos, existem aqueles que nós gostaríamos que se repetissem: o primeiro beijo de amor, o nascimento do filho, um dia especial. Naturalmente também existem os momentos em que damos graças aos céus por não acontecerem outra vez: a desilusão, uma frustração, a nota baixa que reprovou. Em nossa vida o irrepetível representa (supremo clichê) duas faces da mesma moeda; o que se quer ou não; o que se quer lembrar e o que se quer esquecer.

No soberbo a Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera, a vida é comparada a uma peça de teatro que não se ensaiou previamente o texto. Vista deste modo a situação, os erros são inevitáveis, impossíveis de correção e por muitas vezes desastrosos. É um teatro em que as personagens que saem de cena não voltam mais. As pessoas que admiramos, que queremos bem, que amamos, a existência permite a todas elas – a você que lê a crônica e a mim que a escreveu – apenas um momento. Somos todos assim, provisórios, irrepetíveis e por mais que sejamos importantes, inteligentes, bonitos, um dia – cedo ou tarde, suave ou abruptamente – seremos arrancados de cena para permanecer no que está implícito naquilo que não se repete: o saudoso. Kierkegaard é que tinha razão: o instante é tudo. Diante de tudo isto, resta aconselhar o que é óbvio: viva intensamente cada momento como se fosse o ultimo, porque ele é mesmo. Depois da angústia de parir este texto, resta-me um consolo: esta angústia – especificamente esta – não se repetirá. A filologia devia ter ganhado um Nobel há muito tempo.

9 comentários:

  1. Thomaz, que texto interessante. O conceito para irrepetível é muito digno, coerente. Gostei bastante e concordo plenamente. Algumas coisas deveriam mesmo repetir da mesma maneira... Ah, e obrigada pelo incentivo. Vou continuar me esforçando para melhorar cada vez mais minha escrita.
    Grande abraço!

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  2. Mas o irrepetível na vida é apenas o que se relaciona ao físico. Pérolas como esta que você acaba de produzir se eternizam como literatura da mais alta qualidade. E tornam-se Imperdíveis. Adorei! Abração. Paz e bem.

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  3. Com o tempo nao resta mais nada nem a saudaosa lembrança.

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  4. Thomaz,

    ótimo texto...
    Viajei nele.. e engraçado é que me peguei no mesmo instante pensando nos momentos que eu adoraria que voltassem para poder revivê-los e também daqueles que até pagaria, se preciso fosse, para nunca mais tê-los de volta...

    Vc está certíssimo em sua conclusão... a vida é um teatro que possui cenas sem ensaios prévios.. tudo o que apresentamos é o aqui e agora. Se não viver, nunca voltará e tentará novamente...

    (Infelizmente... e felizmente também)

    Adorei mesmo!!
    Abs, e ótima semana!!

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  5. Olá Thomaz, tens aqui um espaço interessante, gostei muito e tomo a liberdade de cá vir de vez em quando. Olha de pesquisa em pesquisa cheguei aqui, o blog é bom, e o que descreve sobre ti é bastante corajoso, pois não ser nada, não querer ser nada, e guardar coisa tão boa quanto sonho já faz de ti muita coisa. As palavras são importantes na vida sejam as que ficam ou as que o vento leva...Tchau...

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  6. Thomaz temo decepcioná-lo ou melhor que isso surpreedê-lo: sou tua irmã de pátria, nasci no Brasil, amo o Brasil e cada vez aí vou quero sempre ficar, mas cá tenho uma vida e por enquanto tenho que cá estar. Tenho familiares aí do outro lado do oceano. Mas concordo plenamente com o que dizes, que existe uma poesia no falar dos portugueses. Mas ainda digo que existe uma melodia em terra Brasilis que não encontrei em nenhum dos lugares que passei. Agora que sabes que somos "manos" de pátria e de língua na mesma ainda melhor será nossas trocas de palavras. Me arrisco em dizer que já não devem existir nacionalidades nem preconceitos com tudo isso de globalização somos cidadãos do mundo em busca de novos horizontes, essências e palavras....Até a próxima...abraço.

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  7. Sabes que adoro essa categoria. Todas as vezes que nela penso, pinço da memória a teoria do Bing Bang. Assim como se acredita que tudo tenha partido de um espaço não maior que a cabeça de um alfinete, creio que esse conceito, o irrepetível, concentre toda totalidade moral. É inimaginável qualquer ação nossa que não esteja ancorada nesse conceito. É Thomaz, verdade quando tu dizes que só o instante existe. Só mais uma coisinha. Nem Kierkegaard escreveu tão belamente sobre esse tema.
    Parabéns!
    Beijos.

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  8. Gostei muito da sua crônica. Fala de coisas que estou vivendo no momento.

    Beijo
    Carpe Diem!!

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  9. Intrusa? Pode parecer, mas quando mamãe leu para mim, esta obra tão singular, a vontade era deixar minha impressão de uma coisa tão encantadora e triste. Meu bico não perdeu para o pelicano australiano e o meu rosto fez mais caretas que todos os cazumbás de todos os bois -de -zambumba do maranhão. Hehehe.
    Beijos!

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