domingo, 5 de dezembro de 2010

Juventude transviada


Não gosto de ir a shopping center’s por dois motivos muito fortes. Primeiro, eles vivem cheios. Segundo, eles vivem cheios de adolescentes. Nada tenho contra os adolescentes, até mesmo porque já fui um também e devo ter suscitado nos adultos o mesmo sentimento que eles suscitam hoje em mim. Além do que, minha missão profissional (e por que não, pessoal) é educá-los, já que sou professor do ensino médio. Mas é estranho como eles se comportam nos lugares em que não são obrigados a usar farda; a ficar expostos ao monitoramento. Isolados em certos meios são mais toleráveis, mais “controláveis” (embora controle não seja uma palavra adequada quando se fala em relacionamento, seja ele qual for). Soltos são imprevisíveis; misturados às suas diversas tribos, cheias de gírias, roupas e penteados próprios.

Outro dia, com minha esposa, tive que comprar um presente no shopping. Eles, os adolescentes, estavam lá, aos bandos. Como minha esposa não se decidia sobre o que comprar, resolvi dar uma passada na livraria mais próxima (minha ilha de liberdade naquela Meca de consumismo). Tinha alguns títulos interessantes, muito embora houvesse bastantes romances da Stephanie Meyer (também nada contra quem curte o tipo de literatura que ela produz). A certa altura, entretido em minhas cogitações e já disposto a folhear algumas obras no formato de bolso, notei dois casais de adolescentes (pelo menos acho que eles formavam casais) se aproximando à minha direita. Lépidos e alegres, falavam das obras expostas na vitrine. Um dos casais era bem normal, apesar do excesso de glitter e chapinha em ambos. O outro casal era, digamos, mais exótico. Deviam ter uns dezesseis anos. Ela, com muita maquiagem pesada para pouca idade que tinha. Ele, excessivamente musculoso, para a pouca necessidade que devia possuir para cultivar tantos músculos. A menina muito maquiada de repente reclamou com o rapaz do outro casal sobre os motivos que o fizeram levá-la até ali, uma vez que ele tinha conhecimento de que ela em toda vida não pegara em livro algum. Pensei comigo mesmo: você não deve ter ideia do que está perdendo. O rapaz cheio de músculos, e sabe-se lá porque as forças do cosmos não o mantiveram em silêncio, contou uma anedota suja que fazia trocadilho com um nome de livro. Depois que perderam o interesse na vitrine, resolveram ir embora.

Às vezes a juventude me espanta: seja por seus avanços ou retrocessos. São espantos distintos, é verdade, e dou muito mais valor ao primeiro que ao segundo tipo de espanto. Existe uma geração muito mais consciente que a minha – e dela realmente só se espera grandes realizações. Em contrapartida, um número crescente de jovens tende a levantar bandeiras como a da idiotice, do pouco caso e da falta de modos. É triste, mas é um duro fato da vida, que existem jovens que são incapazes de fazer uma reflexão de seus atos. O rapaz cheio de músculos, por exemplo, se exercita regularmente para ficar bem apertado em sua camisa justa e não para ter uma boa saúde – ele só faz isso, porque todos fazem. Que tipo de valores nós temos passado à juventude, seja como pais, educadores, como seres humanos? Será que resultado esperado é esse que se vê todos os dias: uma juventude que considera o errado certo, que despreza os livros porque eles fornecem cultura, que sai à noite para agredir, para mostrar que é mais forte? É preciso ser mais atento com quem está há pouco tempo no mundo. É preciso que se assumam rédeas e responsabilidades sobre aqueles que foram gestados por nossas escolhas. O adolescente que dá problema na escola, exibe apenas um fragmento de uma tragédia social muito maior, que passa pelo descaso com que pais tem tratado seus filhos, repassando suas responsabilidades a quem só devia complementá-las. O pai que entrega a educação de seu filho unicamente ao Estado ou aos grandes sistemas educacionais privados, além de irresponsável, é criminoso e desumano, pois se abstêm justamente daquilo que nos torna mais humanos: a capacidade de amar e dar o exemplo.

A juventude é ousada. Está ai para romper barreiras mesmo. Surpreender o mundo com sua sagacidade. Mas ela é incapaz de desenvolver suas capacidades se não tiver ajuda, se não tiver alguém que imponha barreiras e ensine a essência da contestação, se não tiver papai e mamãe. Vendo o que acontece no mundo, não sei se posso dizer que os jovens de hoje são desrespeitosos, porque via de regra eles, em sua grande maioria, são filhos de pessoas inconseqüentes e o que o filhos fazem é apenas seguir o exemplo (ou a falta dele) de casa. Educar tem que ser muito mais do que uma tarefa que envolva gastos, mas algo que envolva responsabilidade, generosidade, respeito, comprometimento e, sobretudo, amor – e como falta amor nesse mundo!

6 comentários:

  1. Frequento shoppings (Sou consumista) e isso me incomoda (às vezes). Mas, falando em juventude, adolescentes ou crianças, vejo a realidade quando vou à escola de meu filho. Vejo como se comportam os adolescentes. Aí vejo os pais destes adolescentes e a resposta é imediata: Produto de casa. Geralmente, os pais são bem piores que os filhos.

    Perfeita tua reflexão.

    Um abraço, Thomaz.

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  2. Concordo com a Letícia. Hoje cada vez mais o pensamento popular "filho de peixe peixinho é" perde o posto de pré-conceito e ganha evidência nos olhos do cotidiano. 'Natura non facit saltum (ou saltus), "A natureza não dá saltos". Este Aforismo enuncia que não existem, na natureza, espécimes ou gêneros completamente separados, havendo sempre um elo que os liga. Raciocínio Perfeito para entender que dificilmente o resultado de um caráter torto não reja resultado de outro caráter torto.
    Você sempre colhendo cenas triviais com laminas do absurdo.
    Um abraço!

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  3. Ola, passeado cheguei aqui... você pôs em palavras o que vejo e sinto em relação aos jovens de hoje, muito bom.
    abs
    Jussara

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  4. se vc for de São Paulo vai ver:
    no Shop Eldorado - uma tribo mais "humilde". de calças largas, tênis "alternativos", blusas justinhas nas meninas (algumas bom bordados em strass), chapinha, olhos fartamente pintados e mochilas nas costas (eles andam de ônibus)e usam bonés.
    no Shop Iguatemi - as (antigas) "patricinhas" e os (antigos) "mauricinhos". calças da Diesel (comprada "lá fora"), camisetas "surradas" (mas novas) da Lewis. camisa xadrez amarrada na cintura. as meninas usam maxibolsas e melissas. os meninos têm cabelos "Justin Beber" e as meninas são (quase) platinas e de cabelos "mega lisos". os superlativos estão presentes sempre...."fofíssimo", "estranhíssimo", "maneiríssimo"...e claro, sempre acompanhados de muita gestculação.
    no Shop Villa Lobos - basicamente irá encontrar os "pseudointelectuaisjuniorfilhosdospseudointelectuaisdavilamadalena"...roupas rasgadas, blusas "desbeiçadas", de novo a camisa xadrez amarrada na cintura. alguns usam blusas (da Lewis) com a estampa do Che.

    Não lembro das tribos da "minha época" .... mas certamente haviam. A questão é? Éramos tão chatinhos assim? E, o pior, falávamos tão alto assim?

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  5. Este segundo espanto que o acomete também me incomoda demais Thomaz, porque ele comporta a esmagadora maioria de nossos jovens. Os que progridem humana e espiritualmente através de conhecimento e de relações de amor são minoria. Quando vejo, por exemplo, pela net tantos jovens lendo e escrevendo coisas bacanas me dá um alento que é logo aplacado quando saio às ruas, onde estão pululando adolescentes falando e fazendo tolices. Meu abraço. paz e bem.

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  6. Com certas configurações atuais - violência, por exemplo - é o lugar mais seguro deles.

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