domingo, 16 de janeiro de 2011

A cidade de lama




Em vida, seu Ribeiro, meu pai, não soube o que foi ter grandes dificuldades. Mesmo assim, isso não o impediu de ter consciência das vicissitudes inerentes à vida. De todas as reflexões que tecia, e que acabava me revelando em nossa relação de pai e filho, uma fincou raízes em minha mente: a de que todo homem, por mais que sofra na vida (porque viver, sem nenhuma força de eufemismo, neste mundo é sofrer), dentro do seu lar é um rei. Isso para mim sempre foi uma verdade. Até hoje.

Quando assisti ao telejornal pela manhã do dia 12, uma panorâmica em uma cidade do estado do Rio de Janeiro revelou-me algo incrível: os noticiários exibiam uma cidade que era feita de lama e que o lugar onde havia ruas e casas cedera espaço a toneladas de entulho. O que aconteceu em Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, fez com que eu me perguntasse quantos reis não haviam sido destronados de uma vez só naqueles lugares. E quando falo em destronados, não me refiro apenas à da perda de seus lares, mas à morte de seus parentes e até sobre a perda da própria dignidade. Porque um homem sem seu lar, impossibilitado de defender sua família, não é coisa alguma.

O que aconteceu no Rio de Janeiro, mais do que uma tragédia anunciada, é a prova de nossa curta memória em relação a esse tipo acontecimento, é aquela incômoda sensação de já vimos isso antes. A lama levou mais do que bens materiais, carregou vidas e sonhos inteiros; matou não apenas as vítimas que morreram, mas também matou aqueles que ainda respiram e que doravante carregarão o remorso por terem vivido mais que seus filhos. Roga-se aos céus para que estes dêem aos homens tempo de reconstruir o pouco que conseguiram ajuntar. Roga-se ao tempo que forneça consolo a todos os órfãos, a todos os viúvos, a todos os pais que não tem mais filhos para consolar. No Brasil acontece um Haiti todo ano. O que é fatalidade proporcionada pela natureza, confunde-se com o descaso e o despreparo, e já não se sabe quem é o responsável por tamanha destruição. Nestas horas em que não sabemos de que pátria somos filhos, a quem se deve recorrer? Bom, as autoridades nessas horas sabem fazer apenas aquilo que estão acostumadas a fazer quando a água enche. Elas estão “boiando”.

4 comentários:

  1. Para refletir...

    http://vemcaluisa.blogspot.com/

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  2. Eu já estou naquela fase de me perguntar se o conceito de autoridade é mesmo esse que temos institucionalizado, Tomaz. Autoridade para mim está adquirindo a cada dia é a solidariedade do povo.Autoridade são os bombeiros, os voluntários, os doadores anônimos todos os anos (como você disse muito bem, temos um Haiti todo ano aqui). Os que escolhemos como representantes de nossos interesses são a super estrutura, a nata, o supra-sumo do escárnio para com os interesses coletivos. Um abraço grande. paz e bem.

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  3. Thomaz, umas das vantagens do bom texto (entre tantas) é fazer a gente refletir. O texto que publiquei hoje (ENCHENTES) foi o resultado de muita reflexão a que me levou este seu aqui. Abração. paz e bem.

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  4. Thomaz, acho que nunca, nunca estaremos preparados suficientemente para encarar esse tipo de tragédia.
    Porém o que me transtorna é PODER ter controle para evitar que o desastre seja maior e não o fazer.
    Minha impotência me deprime, por mais que eu faça para ajudar.

    Beijo grande, fica bem

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