domingo, 9 de janeiro de 2011

A fonte da juventude


Tudo o que existe neste mundo e é captado por nossos cinco sentidos é perecível. Não importa se é paisagem, barra de gelo ou uma obra de arte, aquilo que é conservado pelas caridosas mãos de alguns homens, é duramente exposto à fúria de outros. Contente-se, aquilo que encanta seus olhos e deleita a sua alma, possui vida breve diante de um tempo que é eterno e vorazmente inconcebível numa mente tão limitada como a nossa.

O tempo é capaz de consumar todas as coisas, a fome excessiva de alguns homens também. Em um país de limites éticos tão frágeis quanto o nosso, não por acaso, vamos perdendo muito daquilo que nos é de direito: a saúde e a paciência em filas intermináveis de hospitais e de bancos; o futuro de nossos jovens em escolas precárias; o pouco dinheiro que possuímos com a carga tributária altíssima que o país é dono. Felizmente até a ambição encontra limites, tanto que existem bens que a corrupção de uns não pode tocar. Por mais que um político desonesto desvie o dinheiro da merenda escolar e da ponte que une um município a outro, ele não pode roubar o que tenho dentro de mim. Aliás, não consegue roubar até o que está fora. A minha juventude, por exemplo, ninguém tira. Um político ladrão (sem maiores ofensas àqueles que usam do habitual expediente de usurpar aquilo que é dos outros) pode vive 150 anos roubando, mas ele nunca roubará um ano de minha vida. Mas sejamos utópicos e concebamos os sonhos que ninguém deseja. Imaginem um mundo em que os políticos desonestos podem roubar tudo, até a juventude das pessoas. Seríamos então um país de jovens, de jovens ladrões. As oligarquias teriam vida eterna, uma vez que permaneceriam para sempre com o frescor de uma juventude roubada. As pessoas honestas teriam cada vez menos oportunidades de protestar, uma vez que a artrite e o reumatismo tirariam toda a vontade de esbravejar contra os desmandos políticos, que seriam muito mais corriqueiros em um país onde os corruptos apenas remoçam. As crianças, ao contrário, receberiam muito mais atenção do que recebem, uma vez que são donas do melhor que a vida tem e já sairiam velhas dos berçários, totalmente sugadas de suas infâncias. Poderia também se fazer tráfico de juventude, exploração não do corpo, mas da menor idade. O pai chegaria mais velho em casa depois de ter trocado cinco anos por um fardo de arroz. Algumas mães poderiam fazer comércio da pouca idade de seus filhos. Seria um país, um grande país e o modelo poderia ser explorado em larga escala e haveria gráficos de desempenho e metas para melhor se roubar os anos alheios. Nós teríamos a fonte da juventude. Nós não, eles, lembrem-se, os que não são corruptos seriam eternamente velhos.

Graças a Deus não jorra água dessa fonte. O que falo aqui não passa de devaneio; conversa fiada para outra crônica de domingo. A desonestidade ainda é um veneno muito poderoso na tarefa de estragar o nosso dia, no entanto – e isso não é utopia, mas a mais pura realidade – somos donos de braços e pernas jovens (uma juventude que não pode ser simplesmente roubada de nós), podemos lutar contra os que desejam roubar qualquer coisa. Só a possibilidade de pensar nisto me faz rejuvenescer uns dez anos.

5 comentários:

  1. Só vemos a honestidade porque há a desonestidade. Quem sabe...

    http://vemcaluisa.blogspot.com/

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  2. Belíssima crônica, meu querido!
    Belíssima!
    Você sabe das coisas...
    Abraço!

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  3. Acho que nosso estado de socialização é fincado numa premissa de expropriação (em geral). Há eufemismos vários para a expropriação não material, móvel e imóvel, além da pecuniária, claro. O que não conseguiram ainda exprópriar de nós ou pelo menos tentar, é o pensar. Acho ótima esta reflexão, Tomaz. Abraços. Paz e bem.

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  4. Thomaz, belissíma reflexão..."só a possiblidade de pensar nisto me faz rejuvenescer uns dez anos."
    abs
    Jussara

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  5. Vou dar um jeito de ir sim. É nosso ganha pão que ta em jogo. :P

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