domingo, 28 de novembro de 2010

Gente ruim


O mundo está cheio de gente ruim. O Brasil está cheio de gente ruim. O Rio de Janeiro (que apesar de ainda continuar lindo) está cheio de gente ruim. E até o Maranhão está cheio de gente ruim.

Ruim não é só quem mata; quem rouba. É ruim quem se omite; quem se nega. É ruim quem na hora de dizer uma palavra bonita ou um verso que alegre o dia, simplesmente prefere dizer asperezas; semear a discórdia, quando pode plantar uma flor.

Tenho medo de gente ruim. Porque pode ser qualquer um. Pode ser um vizinho ou até mesmo um amigo, até mesmo eu, porque às vezes somos ruins por homeopatia, por hobby, por ocasião. Ruim por ruindade mesmo.

Quem me dera ter uma maquininha dessas que pudessem farejar gente ruim à distância. Quem sabe até uma redoma para separar eles do resto do mundo. Porque não é ruim só quem fala mal; quem atrapalha. Também é ruim quem só quer saber do que passou; quem dá para trás; quem sempre pensa no pior.

Neste mundo em que a gente faz tão pouco, não atrapalhar já é um grande começo; uma boa maneira de se pedir desculpas pelo que a gente não faz quando deve fazer. Para dizer a verdade, como dizia Heráclito, Platão ou Saramago (que apesar de não estarem isentos de fazer o mal, tinham pouquíssimo tempo para fazê-lo): bem e mal não existem em si mesmos, são apenas a ausência um do outro. Então neste caso, o fato de não estar sendo ruim, já está se fazendo um pouquinho de bem.

P.S – Por falar em ruindade, quero falar em seu oposto, a bondade. Tanto tempo sem postar, gostaria de agradecer às pessoas que mantiveram este espaço de desvario vivo. Obrigado, sem as visitas de vocês isto aqui não teria sentido.

sábado, 18 de setembro de 2010

O fator de risco solidão



Instintivamente eu já sabia disso, mas agora deu até em jornal britânico de medicina. A solidão mata. Sim, mata mesmo. A expectativa de vida de um solitário é a mesma de um fumante, é muito parecida com a de quem tem problemas com álcool e um fator de risco mais perigoso que obesidade e sedentarismo. Na qualidade de ex-fumante e ex-solteiro, sinto um grande alívio – agora é só tomar cuidado com as outras estatísticas.

Sempre fomos muito mais do que aquilo que imaginamos de nós mesmos. É que temos a tendência de diminuir nossas qualidades, reduzi-las a um certo número de atributos quantificáveis e facilmente adquiridos com qualquer cartão de crédito. Nunca fui adepto desse papo de consumismo exagerado, capitalismo selvagem e tudo mais, porque o capitalismo e consumismo não existem, o que existe são pessoas que agem nocivamente, isolando-se em ilhas de si mesmas, onde são árbitras de si mesmas.

As ditas doenças modernas agora são um fato, começam a vigorar nas pautas dos grandes planos de saúde, nos anúncios de cigarros, nas embalagens de bebida e grifes de boutique. É triste saber que uma pessoa cheia de si está morrendo mais cedo porque está justamente cheia de si; uma espécie de preenchimento que não ocupa espaço algum. No Brasil as casas têm deixado de ser ocupadas por seis pessoas, na medida em que cresce a demanda de apartamentos para uma só; casais não pretendem mais ter filhos; aumenta a compra de forno microondas (o que, em minha opinião, é um eletrodoméstico feito para suprir a necessidade de quem é solteiro, assim como outros apetrechos do mundo urbano); tem-se comido miojo como nunca em grandes e requintadas travessas solitárias. Aí surge a pergunta: o que nós temos a ver com isso? Sei lá, na maioria das vezes a gente não quer nem saber do que está acontecendo em baixo de nossos narizes.

Bons talvez fossem os tempos de nossos avós, quando todo mundo se conhecia e quando acabava o açúcar, a gente não corria para o supermercado, mas batia na porta do vizinho. Quando se tinha família de cinco filhos e se ia à missa de Domingo. Quando a rua se juntava para picotar bandeirinha para copa do mundo. Quando as pessoas davam bom dia na rua ou quando ainda se incomodavam com os fuxicos da vizinha, que pelo menos sabia o nome da gente. Bons deviam ser os tempos em que as pessoas eram menos solitárias, respiravam melhor, abraçavam como mais facilidade e não ficavam hesitantes, como hoje ficam, ao perguntar: vai um abraço aí, vai?

domingo, 5 de setembro de 2010

Por uma vida menos ordinária


Foi num desses Sábados em que a gente fica zapeando de canal em canal, mesmo sabendo que não achará nada que presta na programação noturna da TV aberta, que me deparei com uma espécie de pegadinha solidária daquele programa sem graça do Mion. Era tudo muito simples, o programa expunha pessoas comuns em situações em que eram obrigadas a ajudar a um desconhecido ou se omitir, deixando-o em maus lençóis. A situação que mais me deixou intrigado foi a em que um ator, que fingia esperar sua vez na fila, roubava a carteira de uma moça à sua frente – que, evidentemente, também era uma atriz contratada. Em seguida, a moça dava por falta de sua carteira, para que então um terceiro ator fosse acusado injustamente pelo roubo. A pessoa logo atrás do ladrão de mentirinha deparava-se com o seguinte dilema: denunciar o ladrão e se expor ou então se omitir, deixando um justo pagar por um crime que não cometeu. Os resultados foram catastróficos para o inocente.

Está certo que vivemos em tempos inseguros, tempos em que as pessoas não dialogam mais e em que o bom senso às vezes exija que engulamos alguns sapos pelo caminho, mas será essa a única face que temos para mostrar: a da auto-preservação?

As coisas mudaram ou sempre foram assim? Quero dizer, no sentido mais hobbesiano da palavra: essa luta de todos contra todos em que somente conta o resultado final: eu? Aqui em São Luís, que é uma cidade pequena se comparada a outras capitais, certas novidades demoram a solidificar-se, mas já se vêem os primeiros sinais de impaciência, explosões de humor sem sentido, discussões de trânsito que acabam em morte, indelicadeza, desrespeito com os mais velhos, individualismo; eu, eu, e eu de novo. Sempre se falou que o brasileiro é um adepto da Lei de Gérson: “Você quer levar vantagem em tudo, não quer?”. Nos dias de hoje isto anda parecendo uma verdade inconveniente.

Não tenho propriedade para falar dos outros, mas de mim mesmo tenho. Da minha parte, vou fazendo o que posso para suavizar minha existência, sabendo que cada pequeno ato meu pode ser decisivo na vida de quem está próximo – da casca de banana que se joga na rua, ao candidato que se escolhe por conveniência. Está certo que não planto flores no quintal de meu vizinho, nem me ponho no dilema de denunciar um falso ladrão, mas vou tirando do caminho as pedras que posso, cumprimentando meus vizinhos e colegas de trabalho, me importando, tentando não me deixar levar por essa onda de indiferença. Quanto à pegadinha, que citei no primeiro parágrafo, os resultados foram os seguintes: 40% das pessoas denunciaram o ladrão e 60% se omitiram, deixando um inocente levar a culpa. Das pessoas que tiveram coragem de denunciar a injustiça, nenhuma se predispôs a ir à delegacia, mesmo estando cientes de que seu comparecimento seria a única maneira de esclarecer os fatos e inocentar o acusado. Tem coisas que não mudam. Pimenta no olho dos outros ainda é refresco.

sábado, 28 de agosto de 2010

A vida e a auto-ajuda


O fenômeno da auto-ajuda é um desses sinais do tempo. Uma verdade inconveniente que vez por outra nos é jogada, com toda a força, à cara: temos muita dificuldade em gerenciar as nossas próprias vidas e, por força de nossa incapacidade, precisamos apelar para esses manuais com doutrinas e fórmulas prontas. Para entender do que estou falando, basta que se verifiquem os campeões de venda do mercado editorial – o Augusto Cury, por exemplo, deve ter uns três exemplares em uma lista que tem dez livros.

Viver é difícil? Pode ser que seja, mas para precisar de manual de instruções?! Sei não. Poetas, escritores, filósofos – ah, esses filósofos – já se debruçaram no problema e a resposta foi uma só: continua sendo um problema insolúvel.

De repente viver é que nem cuidar de uma planta. Se essa não tem nem uma praga que a prejudique, regando e dando atenção, ela vai crescer sem grandes problemas. Parece simples – e avaliando bem a qualidade deste parágrafo, lembra até um desses conselhos da auto-ajuda. No entanto, não vejo outra forma de avaliar a situação. Viver não é difícil, somos nós que tornamos a vida difícil. Fazemos isso de toda maneira, seja nos prendendo às miudezas ou resolvendo – e muito mal – as nossas crises existenciais.

Não tem outro jeito, viver é dar o salto no desconhecido, sobreviver à lógica do absurdo. De qualquer maneira, é uma experiência individual cujo conhecimento não pode ser universalizado. Quer dizer, cada vida é uma vida, não se pode fazer de uma exemplo para as demais – o que desqualificaria completamente a indústria da auto-ajuda e demais gurus de plantão. Nada contra quem vende livro ajudando aos outros, mas quero viver feliz com o que tenho: agradecer o milagre da vida em seus pequenos detalhes e até mesmo ser feliz diante das dificuldades que surgem todos os dias. Não sou nenhum Pangloss[1], “mas tudo é para o melhor no melhor dos mundos possíveis”, além do quê, viver é muito bom e dá uma dó ter que morrer.


[1] Personagem do filósofo Jean-Marie Arouet (1694-1778), mais conhecido pelo pseudônimo de Voltaire. Pangloss, no romance Cândido ou do otimismo, era mestre da personagem principal e uma caricatura do filósofo alemão Gottfried Leibniz (1646-1716). Mesmo diante de todas as desgraças proporcionadas pelo mundo, Cândido insistia em repetir, como um mantra, uma máxima de seu mestre Pangloss: “É tudo para o melhor no melhor dos mundos possíveis”. Sem dúvida uma crítica mordaz ao ideal de filósofo dogmático representado por Leibniz, que mesmo presenciando os desatinos da existência humana, acreditava que a tragédia era apenas um movimento de uma ordem maior.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Um estudo sobre o nada


A seca inspiracional é algo que me deixa muito preocupado. Sabe como é: meses sem escrever tornam a escrita – um grande prazer que tenho – em uma torturante obrigação. Bom, acho que as coisas não deviam ser assim.

Oxalá eu fosse um desses escritores (quanta pretensão, aqui me incluir no rol dos escritores) que parem a palavra a torto e a direito e que tornam a língua um artifício dinâmico a serviço da arte. As minhas inspirações ainda estão presas nas paisagens, no eco das lembranças, no rabisco da página em branco. Ter meu texto ainda é difícil; é fazer um exaustivo exercício no escuro. E às cegas, colher o meu resultado no imprevisível.

Escrever sazonalmente ou voluptuosamente é ainda tarefa para poucos. A inspiração não é vendida em volumes nas livrarias nem em doses nas farmácias. Ela é gratuita, livre, solta e esse é problema dela, o que a torna etérea como fumaça. Os pitagóricos consideravam os números sagrados; elementos que surgiam na cabeça humana e que só podiam ter uma origem: os céus. Meu domínio divino é a palavra; a força que essa exerce em minha vida; o momento em que se abre uma brecha na minha vista cansada, para que eu consiga ver o mundo como ele é em meus sonhos mais distantes. Escrever; parir palavras, assim como no caso dos números, só pode ser sagrado, pois é enxergar Deus em um contínuo estudo sobre o nada.

domingo, 27 de junho de 2010

A palavra



Na adolescência, quando um dia pensei que faria poesia, uma garota me indagou acerca das maneiras de se escrever um bom poema. Na época, ingênuo que era dos intricados mecanismos da palavra viva, disse-lhe que bastavam inspiração e disposição para se escrever um bom poema. Agora percebo que estava enganado e que se hoje me perguntassem a mesma coisa, diria, que tenho a ver com isso? Ora, o poema é composto por palavras e estas contem em si os mais íntimos significados a serem expressos. O que sei eu da palavra?

Pensando no que escrevo é que me perco no oceano da palavra. Eu como ilha, cercado de palavras por todos os lados, não faço mais que trabalho de ourivesaria nem sempre tirando daí bons resultados e às vezes colhendo até frutos diversos (e até controversos) daquilo escrevi.

A palavra não tem sexo, endereço, RG, CPF. Ela é expressão. Expressão de quê? Do incontido, do inenarrável, do inebriante, do sublime, daquilo que – contrariando a minha fala – simplesmente não pode ter fala. A palavra usa e seu compromisso é consigo mesma. Mostra a sua beleza selvagem no bilhete escrito no papel de pão e no Ulisses de Joyce. E ainda corre à boca pequena que ela – a palavra – também é pequena. Não discordo. É pequena, média, grande, porque cabe em todo lugar e lugar nenhum. Ela é toda fronteira e não é.

Estando em toda parte: nos cadernos, nos muros, nos países, no DNA das pessoas, a dimensão humana é a própria palavra. Mas eu, que sei da palavra? Digo que nada sei. Que nada tenho a ver com esse bicho selvagem que toda hora me persegue sem dar sossego. E o pouco que penso saber desaparece no momento em que tento explicá-la, transformando o mutismo na melhor maneira de se falar no que tem que ser nomeado. Posso até falar besteira da palavra, mas sei que ela é linda. Sei que juntando algumas se pode fazer um soneto ou uma sentença de morte, fazer cantar o hino do Brasil ou explicar constituição do universo e falar do amor e de Deus.

O que sei eu da palavra? Sei dizer palavra. Simplesmente palavra.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Primeiro ano das palavras


Sei que é “comum”, às vezes, esquecer o aniversário de quem nos é muito querido. Esquecer do próprio aniversário já é demais. Há dez dias este blog completou seu primeiro ano de existência. Começou meio indeciso sobre o que fazer, mas com o passar do tempo e com a colaboração das gentis pessoas que liam os textos aqui publicados (e não posso deixar de citar Diana, Cacá, Sílvia, Sara, Adriano, Murilo Rafael, Biba, Thiago Assis, Vanessa, Letícia Palmeira e os demais que sempre passaram por aqui), dando suas valiosas contribuições, fui tomando um rumo e definindo o perfil deste pequeno espaço.

Hoje, com este ano de existência, percebo que ainda há muito o que fazer e aprender, afinal não é esta a razão de nossas vidas? No mais, tenho apenas que agradecer a paciência de vocês em ler o que escrevo e – mesmo que tenha sido um pouquinho que seja – se colaborei com o dia de vocês, tocando suas almas em algum ponto, já cumpri parte da tarefa da escrita e também ganhei meu dia.

Muito obrigado por tudo.