
Foi num desses Sábados em que a gente fica zapeando de canal em canal, mesmo sabendo que não achará nada que presta na programação noturna da TV aberta, que me deparei com uma espécie de pegadinha solidária daquele programa sem graça do Mion. Era tudo muito simples, o programa expunha pessoas comuns em situações em que eram obrigadas a ajudar a um desconhecido ou se omitir, deixando-o em maus lençóis. A situação que mais me deixou intrigado foi a em que um ator, que fingia esperar sua vez na fila, roubava a carteira de uma moça à sua frente – que, evidentemente, também era uma atriz contratada. Em seguida, a moça dava por falta de sua carteira, para que então um terceiro ator fosse acusado injustamente pelo roubo. A pessoa logo atrás do ladrão de mentirinha deparava-se com o seguinte dilema: denunciar o ladrão e se expor ou então se omitir, deixando um justo pagar por um crime que não cometeu. Os resultados foram catastróficos para o inocente.
Está certo que vivemos em tempos inseguros, tempos em que as pessoas não dialogam mais e em que o bom senso às vezes exija que engulamos alguns sapos pelo caminho, mas será essa a única face que temos para mostrar: a da auto-preservação?
As coisas mudaram ou sempre foram assim? Quero dizer, no sentido mais hobbesiano da palavra: essa luta de todos contra todos em que somente conta o resultado final: eu? Aqui em São Luís, que é uma cidade pequena se comparada a outras capitais, certas novidades demoram a solidificar-se, mas já se vêem os primeiros sinais de impaciência, explosões de humor sem sentido, discussões de trânsito que acabam em morte, indelicadeza, desrespeito com os mais velhos, individualismo; eu, eu, e eu de novo. Sempre se falou que o brasileiro é um adepto da Lei de Gérson: “Você quer levar vantagem em tudo, não quer?”. Nos dias de hoje isto anda parecendo uma verdade inconveniente.
Não tenho propriedade para falar dos outros, mas de mim mesmo tenho. Da minha parte, vou fazendo o que posso para suavizar minha existência, sabendo que cada pequeno ato meu pode ser decisivo na vida de quem está próximo – da casca de banana que se joga na rua, ao candidato que se escolhe por conveniência. Está certo que não planto flores no quintal de meu vizinho, nem me ponho no dilema de denunciar um falso ladrão, mas vou tirando do caminho as pedras que posso, cumprimentando meus vizinhos e colegas de trabalho, me importando, tentando não me deixar levar por essa onda de indiferença. Quanto à pegadinha, que citei no primeiro parágrafo, os resultados foram os seguintes: 40% das pessoas denunciaram o ladrão e 60% se omitiram, deixando um inocente levar a culpa. Das pessoas que tiveram coragem de denunciar a injustiça, nenhuma se predispôs a ir à delegacia, mesmo estando cientes de que seu comparecimento seria a única maneira de esclarecer os fatos e inocentar o acusado. Tem coisas que não mudam. Pimenta no olho dos outros ainda é refresco.